BRASÍLIA – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar, nesta terça-feira (20), a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o chamado "núcleo 3" da suposta trama golpista que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros aliados.
De acordo com a PGR, esse núcleo seria o braço operacional do plano golpista, encarregado de executar ações concretas e organizadas com o objetivo de pressionar o Alto Comando do Exército a aderir à ruptura institucional. A denúncia inclui 11 militares do Exército – entre generais, coronéis e tenentes-coronéis – e um agente da Polícia Federal (PF).
O grupo é acusado de participar de um plano de golpe de Estado que tinha o objetivo de impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manter no poder o então presidente Jair Bolsonaro, derrotado nas eleições de outubro de 2022.
É a primeira vez, desde o fim da ditadura, que um número tão expressivo de oficiais de alta patente enfrenta uma acusação formal de participação em um plano para subverter a ordem democrática. Além de enfrentar a denúncia no Supremo, esses agentes podem responder a processos no Supremo Tribunal Militar (STM).
A peça acusatória da PGR afirma que os integrantes do Núcleo 3 “atuaram para conferir viabilidade operacional” à tentativa de golpe, fazendo a ponte entre a cúpula do suposto plano (núcleos 1 e 2, compostos por Bolsonaro, ministros e assessores) e a base das Forças Armadas.
A função deles, segundo a denúncia, era executar medidas que convencessem o Alto Comando do Exército a aceitar ou, ao menos, não resistir ao golpe. Entre eles estavam ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes e o ex-comandante da Força Aérea Brasilia (FAB) Carlos de Almeida Baptista Júnior, que se opam ao plano.
Entre essas ações do grupo estariam reuniões com outros militares da ativa e da reserva, redigir e circular documentos com teses jurídicas favoráveis à intervenção e até elaborar planos logísticos para a ocupação de prédios públicos e prisões de autoridades. A acusação também aponta tentativas de desinformação e ameaças veladas a ministros do STF.
Os denunciados ocupam patentes de comando ou exerciam funções estratégicas na estrutura militar, o que, segundo os investigadores, facilitava a interlocução com setores do Exército ainda permeáveis ao discurso bolsonarista. Muitos deles haviam se aproximado do governo Bolsonaro por meio de cargos civis em ministérios ou na segurança institucional.
Dois nomes se destacam: o general da reserva Estevam Theophilo, que teria sido sondado para assumir o comando das operações de exceção, e o coronel Bernardo Romão Corrêa Netto, apontado como articulador de reuniões com outros oficiais da ativa para pressionar a cúpula militar.
Segundo fontes ligadas à investigação, alguns integrantes do grupo chegaram a preparar roteiros de intervenção, discutindo a ocupação do Supremo Tribunal Federal e a prisão de ministros da Corte, em especial do ministro Alexandre de Moraes.
Os acusados respondem a cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio público tombado. Todos esses crimes têm penas severas, podendo somar 43 anos de prisão em caso de condenação.
O julgamento no STF não decidirá ainda pela culpa ou inocência dos envolvidos, mas sim se há elementos suficientes para abrir ação penal contra os denunciados. Caso a Primeira Turma aceite a denúncia, todos se tornarão réus e o processo seguirá para instrução probatória.
Ao todo, 12 pessoas estão na mira da Justiça: 11 militares do Exército e um policial federal. Eles são:
O julgamento será conduzido pelo presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin. A ordem dos trabalhos prevê:
Este é o quarto grupo denunciado em decorrência das investigações sobre a tentativa de golpe de Estado. A Primeira Turma do STF já avaliou acusações contra três outros núcleos:
Núcleo 1: Envolvia oito pessoas, entre elas Jair Bolsonaro, o deputado Alexandre Ramagem e os generais da reserva Walter Braga Netto e Augusto Heleno. São considerados os líderes do plano golpista.
Núcleo 2: Composto por seis denunciados, incluindo o ex-diretor da PRF Silvinei Vasques e o ex-assessor Filipe Martins. Eles teriam coordenado o plano e articulado ações para pressionar as Forças Armadas.
Núcleo 4: Reunia oito acusados, incluindo militares da reserva, um blogueiro e um agente da PF. Atuaram na disseminação de desinformação sobre o sistema eleitoral e em ataques digitais a autoridades e instituições.
Concluído o julgamento do "núcleo 3", restará somente o julgamento contra o empresário Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho. Ele é neto do ex-presidente João Figueiredo, que governou durante o regime militar. O denunciado está no exterior e foi notificado por edital para apresentar defesa.