Fazia anos que os moradores de Angueretá ouviam falar de execuções na Fazenda Porto Mesquita, na margem do rio Paraopeba, na região Central de Minas Gerais. Por isso, muita gente temia aquelas terras e seu dono, José Luís Figueiredo, o Zé Figueiredo. O mistério começou a ser desvendado meio por acaso, em 1975.
Em 17 de maio daquele ano, um policial civil lotado em Pará de Minas viajou por 60km até Papagaios para intimar um homem a depor em inquérito. O investigado contou ao detetive que em Angueretá, distrito da vizinha Curvelo, havia uma série de assassinatos nunca investigados, com vítimas jogadas em cisternas.
O homem apontou Zé Figueiredo, então com 63 anos, e parentes do fazendeiro como autores da chacina. O local da desova era a Porto Mesquita, disse ele. O policial foi até Belo Horizonte e reportou a denúncia ao diretor-geral da Polícia Civil mineira, Tacir Menezes Sia, que mandou a Delegacia de Homicídios apurar.
Essa é a versão contada pela Polícia Civil. Não foi divulgado o nome do homem, o motivo dele decidir delatar os crimes, nem se tinha envolvimento com algum deles. Já moradores da região contam que, após uma briga entre dois primos, um deles jurou que contaria à polícia a existência de uma cisterna com ossadas em Angueretá.
Os primos moravam no distrito e eram primos de Zé Figueiredo. Nunca se soube se um deles realmente foi delator ou conhecia o suposto informante da polícia. O certo é que investigadores chegaram a 13 suspeitos, com depoimentos de testemunhas e relatos de desaparecimentos, principalmente em Sete Lagoas, a 55km de Angueretá.
A maioria dessas pessoas sumiu após ser presa, sem acusação formal, por policiais militares que trabalhavam na cadeia da cidade. Entre elas havia gente sem qualquer envolvimento com crime.
Os investigadores levaram mais de um mês para achar as cisternas com os 19 crânios. Estiveram em Angueretá diversas vezes. Na companhia de moradores, procuraram ossos em algumas. Reabriram outras tantas. Nada encontraram.
Avançaram na investigação só ao localizarem um dos suspeitos, já morando em Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. José Dias da Silva, o Crioulo, seria peça-chave, conforme o relatório final do primeiro inquérito sobre as execuções na Porto Mesquita.
A investigação apurava o homicídio de um homem identificado apenas como Osmarino e apelidado de Goiano. Policiais civis concluíram que ele foi assassinado em 18 de fevereiro de 1969 e jogado em uma das cisternas da Porto Mesquita.
Goiano teria sido assassinado porque, para Zé Figueiredo, era um pistoleiro contratado para matá-lo, assim como Manuel da Costa Lima, o Nortista, e José Prainha da Silva, considerados as três primeiras vítimas jogadas em cisternas de Angueretá.
Os investigadores não identificaram Goiano. Receberam informações que ele tinha o apelido por ter nascido em Goiânia (GO), Anápolis (GO), Catalão (GO) ou Brasília (DF). Foram a essas cidades. Procuraram documentos e parentes da vítima. Em vão.
Ainda segundo o inquérito que resultou no indiciamento de cinco pessoas no caso de Goiano, Crioulo confessou o envolvimento na morte dele e apontou mais três envolvidos: Zé Figueiredo, Cléber de Oliveira Machado e o cabo da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) José Henrique Madureira, lotado em Sete Lagoas.
Zé Figueiredo confessou a participação na morte de Goiano, segundo o inquérito. Ele teria dito que acionou o cabo Madureira após saber que Goiano e José Prainha tramavam sua morte. Goiano foi executado com vários tiros nas costas, disparados pelo PM e o fazendeiro, conforme depoimento do próprio Zé Figueiredo.
Conhecido como Tezinho, Cléber Machado negou ter assassinado alguém. Mas disse, na Delegacia de Homicídios, em Belo Horizonte, que dirigiu o jipe que levou os PMs e Zé Figueiredo para execução das três primeiras vítimas da Chacina de Angueretá.
Em depoimento na Corregedoria da PMMG, Madureira negou participação na chacina, mas itiu que conheceu Prainha, prendeu Goiano e, sem ordem judicial, o manteve sob cárcere na casa de um parente de Zé Figueiredo “por oito ou dez dias”.
Madureira alegou que deteve Goiano por se tratar de um suspeito por causa de tatuagens no corpo, mas o deixou ir embora após não encontrar nenhuma prova. Para os policiais civis, Madureira agiu a mando de Zé Figueiredo, nesse e em outros crimes.
Já Crioulo foi levado por policiais civis à Porto Mesquita e apontou a cisterna onde estariam os restos mortais de Goiano, a 150 metros da sede da fazenda. Após cavarem 8m, encontraram uma ossada, que concluíram ser de Goiano.
Crioulo também disse que se prendessem José Teixeira Maciel, o Zé Bigode, desvendariam outros crimes. Dois dias depois, investigadores encontraram Zé Bigode em Montes Claros, no Norte de Minas, a 320km de Angueretá.
Ex-funcionário da Porto Mesquita, ele confessou o assassinato de Goiano e a participação em outros 13, todos na fazenda. Disse ser o responsável por abrir e fechar a tronqueira que dava o ao principal ponto de desova, a “cisterna da cascalheira”.
Com Zé Bigode algemado no banco de trás de uma das viaturas, policiais civis apareceram em peso em Angueretá em 25 de junho de 1975. Encontrariam uma cisterna com mais esqueletos do que o número inicial de vítimas.
O espaço permanece aberto para manifestações de instituições e familiares das pessoas citadas. Informações sobre os crimes em Angueretá podem ser enviadas para [email protected].