Durante cerca de 10 meses, contratações, vendas, empréstimos de jogadores e demais decisões importantes no Cruzeiro tinham uma 'cara': do então CEO, Alexandre Mattos, que se despediu do clube nesta semana. Mas o que aconteceu para o dirigente ir de homem da confiança do dono para peça tida como descartável no clube?

A chegada

Assim que comprou a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), em abril de 2024, Pedro Lourenço foi atrás de Mattos, que poucos dias antes havia acertado com o América, para comandar o projeto desportivo do Cruzeiro. Com experiência no meio, o novo CEO percorreria os caminhos para alcançar o principal objetivo na direção: montar um time competitivo e vencedor.

E na Toca da Raposa, ele teria algo necessário no futebol atualmente: dinheiro. Tendo boa relação com dirigentes de outros clubes e agentes de jogadores, o "cheque em branco" facilitaria contar com atletas que fossem do seu desejo e do de Pedrinho, como Cássio, "cartão de visitas" do Cruzeiro da família Lourenço (+ Mattos).

Publicamente cruzeirense (apesar de já ter trabalhado no arquirrival Atlético), a torcida, no geral, aprovou a ideia, já que Pedro não conhece muito das mazelas do futebol e especialmente pela boa impressão deixada em sua primeira agem – dirigente foi o responsável por montar o elenco bicampeão brasileiro entre 2013 e 2014.

Pedro Lourenço, Pelaipe, Pedro Junio e Mattos. Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Primeira janela

Com promessa de grande aporte financeiro para melhorar o nível do time profissional, havia expectativa pela postura celeste na janela de transferências do meio de 2024 ser agressiva, e foi. Ao todo, foram cerca de R$ 177 milhões gastos em contratações de jogadores que acabaram dando certo, como Matheus Henrique, João Marcelo e Kaio Jorge.

Além disso, o Cruzeiro conseguiu comprar, de forma definitiva, o meia Matheus Pereira, em negociação que havia começado quando Ronaldo Nazário ainda era o dono da SAF. Nesse período, também foram trazidos atletas que decepcionaram, como Fabrizio Peralta, Lautaro Díaz e, principalmente, Walace.

Segunda janela

Na virada do ano, houve a segunda janela, que impactou mais, não pelo gasto em transferências, mas pelos nomes dos jogadores e valores gastos em salários. Gabigol e Dudu foram os principais nomes, seguido por Fabrício Bruno.

A folha salarial do elenco superou os R$ 22 milhões – era R$ 17 milhões em meados do último ano – e, mesmo assim, foram encontradas lacunas em algumas posições, como a zaga e o ataque. Não demorou para que as críticas assem a ser constantes.

Mattos apresentou jogadores nos Estados Unidos. Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Problemas internos

Alexandre Mattos ou a causar incômodo em Pedro Lourenço e seu filho, Pedro Junio, vice-presidente do Cruzeiro. Entre as razões, estava o dinheiro gasto em contratações que não emplacaram e pagamentos a empresários e intermediadores. Declarações do dono também desagradaram o dirigente.

A entrevista considerada um "divisor de águas" foi concedida ao O TEMPO Sports, em 7 de abril de 2025. Pedrinho criticou o trabalho de Mattos, então responsável pelo departamento de futebol: "A primeira pessoa que eu trouxe foi o Alexandre. A realidade mostra para todo mundo: erramos muito nas contratações. Não vou citar nomes porque é deselegante. Tive uma conversa com ele porque precisamos errar menos e, de preferência, não errar. Trouxemos jogadores que não deveriam ter sido contratados", disse.

Dias depois, organizadas realizaram um protesto na porta da Toca da Raposa 2 pelo momento do time, e Mattos foi o principal alvo. Torcida estava insatisfeita, principalmente, pelos resultados na Copa Sul-Americana e no Campeonato Mineiro, que já não eram a prioridade do clube na temporada.

Outro incômodo de Lourenço, conforme apurado pela reportagem, é que enquanto CEO, Alexandre Mattos era o responsável por outros setores do clube que estão em volta do futebol. No entanto, o dirigente não demonstrava entendimento com relação a essa istração, somente na gestão de elenco e negociações de atletas e técnicos.

Além disso, informações de bastidores dão conta que Alexandre não era unanimidade no time principal estrelado. Esse seria mais um motivo para ele ficar, por exemplo, fora das viagens para jogos fora de Belo Horizonte.

Chegada de Jardim

Jardim em 1º dia de trabalho. Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Outro fator determinante para a saída de Mattos foi a chegada do técnico português Leonardo Jardim. Antes de contrato, o profissional deixou claro que gostaria de ser mais que uma pessoa que apenas escala a equipe – e foi o que aconteceu. Em pouco tempo, ele ou a ser ativo, por exemplo, nos departamentos de scouting e de saúde e performance do clube.

Com isso, Jardim, respaldado pela família Lourenço, assumiu a responsabilidade de definir quais seriam os jogadores ideais para estar no time, ou seja, quem deveria sair e quem chegar. Situação fez Mattos ser escanteado e ter menos atribuições no futebol.

Caso Dudu

Dudu durante treino. Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Aqui, vale um caso específico que gerou turbulência na Toca da Raposa. Alexandre foi considerado o responsável pela contratação do atacante Dudu, que recuou em com o Cruzeiro no meio de 2024. Compadre do jogador, o dirigente retomou as conversas para ele rescindir finalmente com o Palmeiras e fechar com o clube que o revelou.

Mattos insistiu na vinda do atleta (que tinha um dos maiores salários do elenco) mesmo sabendo que ele poderia gerar conflitos, especialmente se não fosse titular absoluto. E isso aconteceu com Leonardo Jardim no comando, que ou a não gostar da postura do camisa 7 e o tornou dispensável.

A saída de Dudu fez o Cruzeiro ter dois grandes problemas: o moral, pois ele assinou com o Atlético, e o financeiro, já que a SAF precisou desembolsar valor milionário para rescindir o contrato do goiano. Esses foram alguns dos fatores que explicam a saída pouco dificultada de Mattos da Toca.

A despedida

CEO no Mineirão após a partida contra o Porco, em BH. Foto: Flávio Tavares/O TEMPO

Devido a tudo isso e mais fatores que podem ou não vir a público, a presença de Mattos e de seu cargo aram a não ser mais imprescindíveis no Cruzeiro. Pedro Lourenço permitiu que seu funcionário negociasse com outros clubes, como Fortaleza e Santos (para onde ele vai), e só depois eles falariam sobre como se daria a rescisão.

No último domingo (1/6), houve seu último compromisso enquanto CEO: acompanhar o jogo contra o Palmeiras, no Mineirão, pela Série A do Campeonato Brasileiro. Após o apito final, ele foi até o centro do gramado com uma bandeira do Cruzeiro e, emocionado, fez uma espécie de ritual de despedida.

Nas redes sociais, o mineiro postou fotos com dezenas de funcionários do clube, de diferentes departamentos. Saída foi confirmada na segunda-feira (2/6), em comunicado conjunto: "O clube aproveita a oportunidade para agradecer pelos relevantes serviços prestados e desejar sucesso na sequência da carreira do profissional."

"Saio com a certeza de que o trabalho foi feito com responsabilidade, dedicação e amor por esse clube gigante. Levo comigo o carinho da torcida cruzeirense — que segue sendo a força que move o clube — e a confiança de que o grupo montado tem tudo para seguir fazendo história", escreveu.