BRASÍLIA - Delator do inquérito do golpe, Mauro Cid confirmou em interrogatório nesta segunda-feira (9), no Supremo Tribunal Federal (STF), que o general Walter Braga Netto era quem articulava a captação de dinheiro para a operação dos acampamentos instalados nos quarteis do Exército após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na eleição presidencial.

Cid reforçou que não mantinha contato com financiadores das manifestações, mas, disse que "quem cuidava disso aí" era Braga Netto — naquele ano candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro derrotada na eleição.

O general recorreu à tesouraria do Partido Liberal, segundo declarou o delator em resposta ao ministro Luiz Fux durante o interrogatório. "Nunca fui ao PL. Pedi ao general Braga Netto, e o tesoureiro do PL foi até o Alvorada conversar comigo", afirmou. 

O delator repetiu, ainda, que o major Rafael de Oliveira o procurou para pedir dinheiro para financiar a atuação de kids pretos. Cid garantiu que foi Braga Netto quem conseguiu os valores, e entregou o dinheiro a ele em uma sacola no Palácio da Alvorada.

Ele declarou também que "disseram que o dinheiro era do pessoal do agronegócio". A declaração novamente implica o setor, que apareceu anteriormente nos depoimentos do acordo de colaboração premiada assinados por Cid com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologado pelo STF.

Braga Netto é um dos oito réus implicados no núcleo 1 da trama golpista — ou "núcleo crucial", que, segundo a denúncia da PGR, reunia os principais articuladores intelectuais da tentativa de golpe de Estado. A fase dos interrogatórios começou nesta segunda-feira, e Braga Netto será ouvido nesta etapa em uma chamada de vídeo, já que ele está preso em uma unidade militar no Rio de Janeiro.

Cid foi delator em investigação que mirou Bolsonaro

Mauro Cid foi assessor direto de Bolsonaro entre 2019 e 2022. Na função, ele era o “braço direito” do ex-presidente e atuava como uma espécie de secretário, atendendo, inclusive, a interesses pessoais de Bolsonaro. Ele circulava tanto no Palácio do Planalto, que é a sede istrativa do governo federal, quanto no Palácio da Alvorada, a residência oficial em Brasília. 

Cid tem carreira militar. Ele entrou no exército em 1996 e se formou na Academia Militar das Agulhas Negras em 2000. É filho do general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, que foi colega de Bolsonaro na turma de Artilharia de 1977 da Academia Militar das Agulhas Negras. 

Mauro Cid foi preso pela primeira vez em maio de 2023, em uma operação pelo esquema da suposta fraude em cartões de vacinação. O militar foi solto em setembro do mesmo ano, após acordo de delação premiada, mas voltou para a prisão em março de 2024 após o vazamento de áudios atribuídos a ele com críticas ao seu processo de colaboração (até então, sigiloso).  

Ele está em liberdade provisória desde maio de 2024, mas tem que cumprir medidas cautelares. Entre elas, o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de sair do país e de se comunicar com outros investigados. Na mesma época, o acordo de delação premiada de Cid foi questionado por suposta obstrução à Justiça, mas mantido pelo ministro do STF.

Alexandre de Moraes

Agentes de investigação usaram a colaboração de Cid para entender a articulação da suposta trama golpista. Um vídeo encontrado no computador do militar apreendido pela PF revelou, por exemplo, uma reunião em julho de 2022 em que Bolsonaro disse a seus ministros que era preciso “fazer alguma coisa” antes da ida dos eleitores às urnas. 

O tenente-coronel virou réu em 26 de março, no recebimento da denúncia do chamado “núcleo crucial” da trama, que inclui Bolsonaro. Na ocasião, o advogado dele, Cezar Bittencourt disse “como assessor do ex-presidente, ele tinha conhecimento dos fatos” e “cumpriu com o seu dever” de delator. 

Os crimes apontados ao ex-ajudante de ordens são os mesmos atribuídos a Bolsonaro e outros réus do núcleo político. São eles: tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem chegar a 43 anos de prisão.