INVESTIGAÇÃO

Rodrigo Pacheco era alvo de grupo de espionagem e extermínio que executou ‘lobista dos tribunais’ 

A organização criminosa tinha uma tabela de preços para espionar autoridades e “pessoas comuns”, conforme documentos apreendidos pela PF

Por Renato Alves
Atualizado em 28 de maio de 2025 | 11:18

BRASÍLIA – O nome do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) está na lista de alvos do grupo de espionagem e extermínio descoberto pela Polícia Federal (PF) que é apontado como responsável pelo assassinato do advogado Roberto Zampieri, conhecido como “lobista dos tribunais”.

A informação sobre o nome de Pacheco na lista da organização criminosa é da Globonews. Ele presidiu o Senado por quatro anos, até fevereiro de 2025. No período, foi alvo de manifestações que pediam intervenção militar e fechamento do Congresso.

“Externo meu repúdio em razão da gravidade que representa à democracia a intimidação a autoridades no Brasil, com a descoberta de um grupo criminoso, conforme investigação da Polícia Federal, que espiona, ameaça e constrange, como se o país fosse uma terra sem leis”, disse Pacheco em nota.

O grupo criminoso alvo da PF atuava como uma espécie de empresa especializada em espionagem contra autoridades e assassinatos sob encomenda. Ele era formado por militares da ativa e da reserva, além de civis frequentadores de clubes de tiros.

A organização criminosa, que cobrava até R$ 250 mil para monitorar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mantinha arsenal de guerra para suas “operações”. Entre eles, fuzis de sniper com silenciador; pistolas com silenciador; lança-rojão tipo AT 34 de ombro; minas magnética e explosivos com detonação remota.

As informações estão em relatório da PF que convenceu o ministro Cristiano Zanin, do STF, a autorizar a nova fase operação que investiga esquema de venda de sentenças em tribunais estaduais e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

Na 7ª fase da Operação Sisamnes, desencadeada nesta quarta-feira (28), agentes foram atrás dos possíveis mandantes do assassinato de Roberto Zampieri, executado com 10 tiros em frente ao escritório em Cuiabá (MT) em 5 de dezembro de 2023.

Foi a partir da investigação do assassinato de Zampieri, morto aos 57 anos, que policiais chegaram ao grupo acusado de negociar compra e venda de sentenças judiciais em diferentes tribunais.

Investigadores também descobriram que os possíveis assassinos do advogado faziam espionagem e atuavam como grupo de extermínio, com pistoleiros profissionais.

O grupo criminoso se autodenominava Comando C4, ou Comando de Caça Comunistas, Corruptos e Criminosos, ainda segundo investigação da PF, com informações da Polícia Civil do Mato Grosso.

A organização criminosa tinha uma tabela de preços para espionar autoridades e “pessoas comuns”. A espionagem de ministros do STF custava R$ 250 mil. A de deputados R$ 100 mil e a de senadores, R$ 150 mil.

A PF encontrou papéis escritos à mão com referências a autoridades brasileiras, incluindo congressistas e ministros do Supremo. Ainda não está claro se havia algum crime encomendado contra essas autoridades.

No caso de Zampieri, o fazendeiro Aníbal Manoel Laurindo é apontado como mandante. Já o executor é Antônio Gomes da Silva, segundo a PF. O instrutor de tiro Hedilerson Fialho Martins Barbosa, o coronel reformado do Exército Etevaldo Caçadini de Vargas e Gilberto Louzada da Silva também foram indiciados por suspeita de envolvimento no crime.

Nesta quinta, policiais federais foram às ruas para cumprir cinco mandados de prisão preventiva contra os cinco, além de quatro mandados de monitoramento eletrônico e seis mandados de busca e apreensão no Mato Grosso, São Paulo e Minas Gerais. 

Mensagens de advogado morto com 10 tiros sustentam apuração 

A investigação sobre a execução de Roberto Zampieri primeiro levou à investigação que resultou no afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) em outubro de 2024.

A operação que levou ao afastamento dos magistrados foi subsidiada por milhares de mensagens de texto e áudio recuperadas do celular de Zampieri.

O conteúdo do celular do advogado levantou suspeitas de vendas de decisões por gabinetes de quatro ministros do STJ. Este caso é investigado pela PF e está sob sigilo no STF, sob relatoria do ministro Cristiano Zanin. 

A investigação do assassinato é objeto de inquérito da Polícia Civil do Mato Grosso, que indica como uma das motivações processos de disputas de terras que tramitam no Tribunal de Justiça estadual. 

Os casos de supostas vendas de sentenças no MS e no MT também são investigados no STJ e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Um dos investigados é Anderson Gonçalves, apontado como o principal lobista de Roberto Zampieri, o advogado assassinado. Peritos da PF identificaram áudios de Gonçalves no celular de Zampieri, em que relata cobranças de pagamentos em aberto ao advogado. 

Com base em mensagens encontradas no celular de Zampieri, após a morte dele, os desembargadores Sebastião de Moraes Filho e João Ferreira Filho, de Mato Grosso, foram afastados pelo CNJ em agosto de 2024, também por suspeita de venda de decisões judiciais. 

Anderson Gonçalves seria um dos responsáveis por aproximar Roberto Zampieri de desembargadores, tanto em MT quanto em MS, visando decisões favoráveis a clientes do advogado.

Na decisão em que mandou afastar os dois desembargadores do MT, o corregedor nacional do CNJ, ministro Luis Felipe Salomão, também determinou a abertura de investigação sobre reclamações disciplinares contra os dois magistrados, além da quebra de sigilos bancários e fiscal dos investigados e de servidores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, referente aos últimos cinco anos.

Em um dos casos investigados, o CNJ descobriu que os dois desembargadores mantinham uma amizade com Roberto Zampieri e recebiam dinheiro para julgar recursos de acordo com os interesses do advogado. 

Lavagem de dinheiro, extorsão, falsificação, organização criminosa e funcionários fantasmas

A investigação que resultou no afastamento dos cinco desembargadores é um desdobramento da Operação Mineração de Ouro, deflagrada em 8 de junho de 2021, na qual foram apreendidos materiais com indícios da prática dos crimes. 

O inquérito da Mineração de Ouro derivou de telefonemas interceptados na Operação Lama Asfáltica, que apurou a suposta venda de decisões, enriquecimento ilícito, lavagem de dinheiro e contratação de funcionários fantasmas.

  • A Mineração de Ouro investigou o suposto envolvimento de conselheiros do TCE-MS em organização criminosa especializada em fraudes em licitações, superfaturamento de obras e desvio de recursos públicos.
  • Naquele período, foram cumpridos mandados contra os conselheiros Waldir Neves, Osmar Jeronymo e Ronaldo Chadid. Segundo dados da PF, foi apurado esquema de contratação de funcionários fantasmas no TCE-MS e desvio de verbas públicas.
  • Durante os cumprimentos dos mandados, agentes apreenderam R$ 1,6 milhão em endereços ligados aos três conselheiros. Os policiais encontraram ainda 7,2 mil dólares, 4,5 mil euros e 200 libras esterlinas. Ao todo, 20 pessoas são investigadas.

Em 8 de dezembro de 2022, a PF deflagrou a segunda fase da operação, batizada de Terceirização de Ouro. Ela apurou o contrato entre o TCE-MS e a Dataeasy Consultoria e Informática, com sede em Brasília.

Para a investigação, ficou demonstrado que a previsão de pagamentos por meio de Unidades de Serviços Executados (USEs) buscou o superfaturamento e o desvio de recursos públicos, gerando o descontrole da relação contratual.

Nessa fase, foram afastados dos cargos os conselheiros Iran Coelho das Neves, Waldir Neves e Ronaldo Chadid.

Em 10 de julho de 2024, foi deflagrada a terceira fase, denominada Operação Casa de Ouro. Ela foi fruto do aprofundamento das investigações, que tem como objetivo apurar crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

A investigação cita imóvel de alto padrão negociado em 2016 e que teria como dono, de fato, Waldir Neves, apesar de ficar em nome de laranja. Em 2018, a casa foi vendida. 

Segundo a PF, o imóvel foi colocado em nome da empresa do amigo de infância de Neves, Vanderlei Morais, por meio de contrato celebrado com João Nercy Cunha Marques de Souza, naquela ocasião, assessor e funcionário particular do conselheiro. 

Investigadores aram três anos analisando documentos e trocas de mensagens apreendidos e interceptados nas três fases da Operação Mineração de Ouro.