JUDICIÁRIO

STJ afasta desembargador sob suspeita de vender decisões judiciais

Ele é o principal alvo da investigação da PF, que batizou operação de Churrascada em razão de os investigados usarem o termo “churrasco” para se referir ao dia do plantão do magistrado

Por Renato Alves
Publicado em 21 de junho de 2024 | 08:56

BRASÍLIA – O desembargador Ivo de Almeida, presidente da 1.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), foi afastado das funções, por determinação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes, após desencadeamento de operação nesta quinta-feira (20) para buscar provas sobre o suposto esquema de venda de decisões judiciais. Houve buscas na residência do magistrado e em seu gabinete no centro da capital paulista.

Ivo de Almeida é o principal alvo da investigação da Polícia Federal, que batizou a operação de Churrascada, em razão de os investigados usarem o termo “churrasco” para se referir ao dia do plantão do magistrado no TJSP. A investigação tramita no STJ, sob a relatoria de Og Fernandes, que emitiu 17 mandados de busca e apreensão. 

Além do desembargador, advogados de regiões como Ribeirão Preto e Taboão da Serra são suspeitos de participação no esquema. O ministro do STJ proibiu o contato entre os investigados e a entrada de alguns deles no Tribunal de Justiça de São Paulo. Ao menos 80 policiais foram às ruas para cumprir as ordens judiciais, na cidade de São Paulo e no interior do Estado.

Desvio de verbas públicas da saúde

A Churrascada é um desmembramento da Operação Contágio, deflagrada em 2021 pela PF em SP para desarticular organização criminosa que desviava verba da área de saúde e que apurou apontou suspeita de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Um dos alvos da Churrascada, Wellington Pires da Silva, foi indiciado na Contágio.

A Contágio mirou desvio de recursos públicos da saúde por meio da organização social AMG, que fechou contratos de mais de R$ 300 milhões com os municípios paulistas de Embu das Artes, Itapecerica da Serra, Hortolândia, São Vicente e Cajamar, conforme levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU).

Essa apuração da CGU, que subsidiou a PF na Contágio, mostrou que a AMG tinha entre seus membros um agricultor, estudantes, comerciantes e até um apicultor, mas nenhum profissional de saúde. Isso, segundo a PF, indica que ela era de fachada e servia apenas para desviar o dinheiro público para um grupo criminoso.

Segundo a investigação da Contágio, foram desviados mais de R$ 40 milhões neste esquema. A PF indiciou 27 investigados, após quase dois anos de investigação, em que mais de 40 pessoas foram ouvidas, com duas etapas de prisões e buscas, realizadas em abril e maio de 2021.

Investigados foram beneficiados por decisões do desembargador

Segundo a investigação da PF, três alvos da Operação Churrascada constam como partes de um habeas corpus e de uma apelação criminal julgados pelo TJ de São Paulo em 2019, sob relatoria do desembargador Ivo de Almeida. O episódio levantou suspeitas dos investigadores.

O habeas corpus foi impetrado pelo advogado Luiz Pires Moraes Neto em benefício de Adormevil Vieira Santana. Este, junto com Sérgio Armando Audi, foi condenado pela 21ª Vara Criminal de São Paulo a sete anos de reclusão, em regime fechado, por roubo agravado e estelionato, sem direito de recorrer em liberdade.

A defesa dos sentenciados alegava excessiva demora na análise do recurso ajuizado contra a condenação, pedindo a liberação de Adormevil. Nos termos do voto de Ivo de Almeida, a 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou a ordem, alegando que analisaria a apelação da defesa.

Meses depois, o mesmo colegiado da Corte acolheu parcialmente o recurso da defesa e alterou o regime inicial de cumprimento de pena de Adormevil Santana e Sérgio Audi para o semiaberto. Então relator, Almeida entendeu que era cabível abrandar o regime de cumprimento de pena, “apesar da reincidência dos réus”.

Luiz Pires Moraes Neto, Adormevil Santana e Sérgio Audi não foram localizados pela Polícia Federal. O desembargador Ivo de Almeida não havia se pronunciado sobre a operação desta quinta-feira, até a mais recente atualização desta reportagem. O TJSP respondeu que vai cumprir as determinações do STJ e adotará as providências cabíveis.

“O Tribunal de Justiça, por seu presidente (desembargador Fernando Antonio Torres Garcia), informa que não houve prévia comunicação da operação desencadeada pela Polícia Federal. De qualquer modo, a presidência do tribunal cumprirá, incontinenti, as determinações emanadas do Superior Tribunal de Justiça”, afirma a Corte em nota.

Desembargador tem 37 anos de carreira

Com 66 anos de idade e 37 de carreira, Almeida ingressou na magistratura em 1987, e teve agens em varas de Bauru, São Bernardo do Campo, Cananeia e Registro. Virou desembargador em 2013. 

Na capital paulista, atuou na 2ª Vara Criminal e no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Foro Regional de Santana. Foi juiz corregedor do Carandiru em 1992, quando houve o massacre que deixou 111 mortos na penitenciária.