ATAQUE

Moraes diz que explosões em Brasília são fruto de ‘extremismo’ e campanha do ‘gabinete do ódio’

Ministro do STF disse, em abertura de aula magna no Conselho Nacional do MP que episódio de quarta-feira (13) não é um fato isolado

Por Renato Alves
Atualizado em 14 de novembro de 2024 | 11:16

BRASÍLIA - O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou nesta quinta-feira (14) que as explosões na Praça dos Três Poderes na noite anterior não são um ato isolado. Ele culpou o “extremismo” e disse que esses episódios, assim como os de 8 de janeiro de 2023, foram estimulados pelo “gabinete do ódio”, referindo-se a suposto grupo montado no Palácio do Planalto durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e que é alvo de investigação da Polícia Federal.

“Não podemos ignorar o que ocorreu ontem. E o Ministério Público é uma instituição muito importante, vem fazendo um trabalho muito importante no combate a esse extremismo que lamentavelmente nasceu e cresceu no Brasil em tempos atuais. Nós precisamos continuar combatendo isso”, afirmou Moraes em abertura de aula magna no Conselho Nacional do Ministério Público, em Brasília.

“O que ocorreu ontem não é um fato isolado do contexto. [...] Queira Deus que seja um ato isolado, este ato. Mas o contexto é um contexto que se iniciou lá atrás, quando o famoso gabinete do ódio começou a destilar discurso de ódio contra as instituições, contra o Supremo Tribunal Federal, principalmente. Contra a autonomia do Judiciário, contra os ministros do Supremo e as famílias de cada ministro”, prosseguiu o ministro.

“Isso foi se avolumando sob o manto de uma criminosa utilização da liberdade de expressão. Ofender, ameaçar, coagir, em nenhum lugar do mundo isso é liberdade de expressão. Isso é crime, isso não é liberdade de expressão. Isso em nenhum lugar do mundo é liberdade de expressão, é crime. O Ministério Público já ofereceu mais de 600 mil denúncias. A Polícia Federal já está em vias federais, das autoridades. É necessário que as autoridades se unam na defesa constante da democracia e na responsabilização total de todos que atentam contra a democracia”, completou.

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Imagens do circuito interno do Supremo Tribunal Federal (STF) mostram como ocorreram as explosões na noite de quarta-feira (13) na praça dos Três Poderes, em Brasília. As imagens mostram a ação de Francisco Wanderley, de 59 anos, que morreu no local após diversas explosões.
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— O Tempo (@otempo) November 14, 2024

Para Moraes, este é mais um episódio que evidencia a necessidade da regulação das redes sociais. “O mundo todo já está regulamentando as redes sociais e, também, precisamos para que com isso possamos pacificar o país, voltar a normalidade, sem criminosos que atentem contra a democracia. Desculpe essa introdução, mas é impossível ignorar o que aconteceu ontem. É o atentado mais grave que aconteceu no sistema do tribunal federal”, concluiu.

Moraes afirmou ainda que a Polícia Federal investiga o episódio e que o STF vai abrir um inquérito. Muito provavelmente, Moraes será o relator do processo que investigará as circunstâncias das bombas detonadas na Praça dos Três Poderes nesta quarta-feira (13). Isso porque há evidências que o caso tem relação direta com o chamado Inquérito dos Atos Antidemocráticos.

Testemunha narra ataque e câmera filma do STF cena

Testemunha do atentado na Praça dos Três Poderes na noite de quarta-feira, um segurança do STF contou, em depoimento à Polícia Civil do Distrito Federal, detalhes dos últimos momentos do homem que detonou explosivos e morreu em frente ao edifício-sede do tribunal.

O homem morto foi identificado como Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos. Ele era natural de Santa Catarina. Com o nome de urna Tiu França, concorreu às eleições municipais de 2020 disputando o cargo de vereador pelo PL, no município de Rio do Sul (SC), no Vale do Itajaí. 

Natanael da Silva Camelo, o segurança do STF, afirmou ter sido a última pessoa a abordar o homem antes da explosão fatal. Equipe de O TEMPO em Brasília teve o a cópia da ocorrência da Polícia Civil com o depoimento de Natanael. Também conseguiu vídeo do circuito do STF que mostra a investida de Francisco Luiz. 

Confira a seguir o o a o dos últimos atos do catarinense Francisco Luiz no centro do poder nacional:

  • Aos agentes, o segurança disse que Francisco se aproximou da estátua da Justiça, colocou uma mochila no chão, retirou uma blusa e a arremessou na direção da estátua.
  • Natanael contou que ele e outros seguranças chegaram perto e Francisco mostrou artefatos em seu corpo. “O indivíduo abriu a camisa e os advertiu para não se aproximarem”, diz trecho da ocorrência.
  • O segurança do STF contou ainda que o homem estava com uma mochila, de onde tirou uma blusa, alguns artefatos e um extintor. Ele também carregava uma espécie de detonador.
  • A testemunha relatou também que Francisco disparou “dois ou três artefatos” antes de se deitar no chão e detonar uma das bombas. Imagem de uma das câmeras do STF mostra ele lançando os artefatos com fogo
  • “Na lateral, o indivíduo deitou no chão, acendeu o último artefato, colocou na cabeça com um travesseiro e aguardou a explosão”, conclui o registro. 

Bope encontra bombas e timer em cinto e mochila junto a corpo

Na madrugada desta quinta-feira, policiais encontraram no corpo de Francisco Luiz um cinto com mais artefatos e um timer – ou temporizador. Ele ainda carregava uma mochila com pino detonador em um pequeno extintor, que seria usado como bomba.

O corpo, que continuava no local até a manhã desta quinta-feira , justamente por causa do risco de conter mais explosivos, foi examinado por homens do esquadrão antibomba do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar, com ajuda de um robô e de equipamentos para detecção de potenciais objetos de risco.

Os peritos do Bope retiraram os objetos suspeitos e os detonaram em outro ponto da praça, perto do corpo. Houve quatro explosões provocadas pelo Bope no início da manhã. A região central de Brasília amanheceu com forte esquema de segurança e a Esplanada dos Ministérios fechada ao trânsito, em função do atentado. 

O corpo foi retirado e levado para o Instituto de Medicina Legal (IML) por volta das 9h, após o Bope decretar fim de varredura na Praça dos Três Poderes. Mas policiais continuavam checando outros pontos próximos. 

Homem fez publicações anunciando atentado

Em mensagens nas redes sociais de Francisco Luiz, pouco antes das explosões, era anunciada uma série de atentados na capital federal, começaria na quarta e terminaria no sábado (16). Em seu perfil no Facebook, ele reproduzia teorias conspiratórias anticomunistas como o QAnon, populares na extrema direita norte-americana. 

Uma das publicações nas redes sociais de Francisco trazia ameaças a políticos e personalidades. Francisco escreveu que havia bombas aguardando o apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique Cardoso. 

Investigadores disseram que mensagens no WhatsApp indicam que ele planejou o atentado à bomba. “Algumas delas [mensagens] têm conteúdo que antecipavam o ocorrido no dia de hoje, manifestando previamente a intenção do autor em praticar o autoextermínio e o atentado a bomba contra pessoas e instituições”, diz trecho da ocorrência registrada pela Polícia Civil do Distrito Federal ainda na noite de quarta, após ouvir testemunhas e policiais que estiveram no local do atentado. 

Investigadores apontam ‘motivação política’

O veículo que explodiu a menos de 500 metros da sede do STF é um Kia Shuma, registrado em Rio do Sul. Está em nome de Francisco Luiz. Agentes contaram que ele morreu vestindo um terno e calça verde com estampas de naipes de cartas de baralho e usava um chapéu branco. A vestimenta remete à fantasia do personagem Coringa, vilão das histórias em quadrinhos.

A Polícia Civil confirmou que o carro explodido próximo à Câmara dos Deputados pertencia ao homem que morreu atingido por um artefato em frente ao STF. Agentes citam na ocorrência que ele pode ter agido por motivações políticas. “[Foi] possível identificar uma possível motivação, tendo em vista o conteúdo político de postagens no perfil dele em suas redes sociais”, diz o boletim. 

A ocorrência registrada pela Polícia Civil contém ainda o relato de uma testemunha. Trata-se de um funcionário da segurança do STF. Aos agentes, ele disse que Francisco se aproximou da estátua da Justiça, colocou uma mochila no chão, retirou uma blusa e a arremessou na direção da estátua. Os seguranças chegaram perto e ele mostrou artefatos em seu corpo. “O indivíduo abriu a camisa e os advertiu para não se aproximarem”, informa a ocorrência. 

O segurança do STF contou ainda à Polícia Civil que o homem estava com uma mochila, de onde tirou uma blusa, alguns artefatos e um extintor. Ele também carregava uma espécie de detonador. A testemunha relatou também que Francisco disparou “dois ou três artefatos” antes de se deitar no chão e detonar uma das bombas. “Na lateral, o indivíduo deitou no chão, acendeu o último artefato, colocou na cabeça com um travesseiro e aguardou a explosão”, conclui o registro. 

Homem alugou casa em Ceilândia, onde havia mais bombas

Outras informações também constam nessa ocorrência. Os policiais confirmam que Francisco estava hospedado em uma casa em Ceilândia, cidade-satélite distante cerca de 30km da Praça dos Três Poderes. Policiais civis e militares fizeram buscas no local na madrugada desta quinta-feira.

O porta-voz da PMDF, Raphael Van Der Broocke, informou na manhã desta quinta-feira que policiais militares encontraram artefatos explosivos no imóvel alugado por Francisco. Eles são do mesmo tipo dos usados em frente ao STF, de acordo com Van Der Broocke.

Policiais civis apuraram que ele estava morando em Brasília, pelo menos, desde julho. Desde então, esteve no congresso e no STF. Chegou a publicar selfie dentro do plenário do Supremo, como se fosse um turista, mas como uma provocação. 

“Deixaram a raposa entrar no galinheiro”, comentou em publicação na rede social, que traz a foto dele em frente às cadeiras dos ministros do Supremo. A visita aconteceu em 24 de agosto.

Já na manhã de quarta-feira, ele esteve na Câmara dos Deputados. Depois, publicou em suas contas nas redes sociais, sugeriu um atentado a bomba em Brasília.

“Vamos jogar??? Polícia Federal, vocês têm 72 horas para desarmar a bomba que está na casa dos comunistas de merda: William Bonner, José Sarney, Geraldo Alckmin, Fernando Henrique Cardoso… Vocês 4 são VELHOS CEBÔSOS nojentos”, diz um dos textos publicado no Facebook dele.

Em outro post, Francisco fez um alerta, dizendo que o atentado começaria nesta quarta e terminaria no sábado (16). “Cuidado ao abrir gavetas, armários, estantes, depósito de materiais etc. Início: 17h48 do dia 13/11/2024. O jogo acaba dia 16/11/2024. Boa sorte!”

Explosões ocorreram minutos após fim de sessão no STF

Duas fortes explosões foram ouvidas na Praça dos Três Poderes por volta das 19h30 de quarta-feira. Elas ocorreram em volta do edifício-sede do STF, logo após o fim da sessão na Corte.

As explosões ocorreram com pouco mais de um minuto de intervalo. Uma envolveu um carro na via em frente ao anexo IV da Câmara, ao lado do STF. A outra ocorreu no meio da Praça dos Três Poderes, onde fica o STF, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto.  

O estrondo forte foi ouvido no Palácio do Planalto e prédios próximos, como o Congresso, com muita fumaça. As forças de segurança do Distrito Federal tratam o caso como possível atentado. A Polícia Federal informou, por meio de nota, que também investiga as explosões e um inquérito policial será instaurado para apurar os ataques.

"Foram acionados policiais do Comando de Operações Táticas (COT), do Grupo de Pronta-Intervenção da Superintendência Regional da PF no Distrito Federal, peritos e o Grupo Antibombas da instituição, que estão conduzindo as ações iniciais de segurança e análise do local", diz a nota.

No momento das explosões, os ministros do Supremo foram retirados em segurança do prédio, que foi evacuado. “Ao final da sessão do STF desta quarta-feira (13), dois fortes estrondos foram ouvidos e os ministros foram retirados do prédio em segurança”, diz nota do tribunal. “Os servidores e colaboradores do edifício-sede foram retirados por medida de cautela”, completa.

No momento, muita gente deixava o trabalho. Uma delas, Layana Costa, funcionária do Tribunal de Contas da União (TCU), disse que houve uma primeira explosão e a segurança do STF tentou abordar um homem que estava no local com uma sacola. Em seguida, uma segunda explosão acabou afastando a segurança e uma pessoa foi atingida. Ainda não há informações precisas se a vítima seria o mesmo homem que carregava uma sacola no local.

O  presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não estava no Palácio do Planalto, sede do governo federal, no momento das explosões. O palácio reforçou a segurança após as explosões. Após cerca de uma hora dos estrondos, a sessão da Câmara dos Deputados foi interrompida. Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), decidiu manter a sessão na noite desta quarta.