BRASÍLIA — A bancada do PDT na Câmara dos Deputados decidiu desembarcar da base do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após a demissão de Carlos Lupi da chefia do Ministério da Previdência Social. O partido agora disse que irá atuar de forma independente na Casa. 

Lupi pediu demissão do comando da pasta na última sexta-feira (2). A saída ocorreu após a crise provocada pela investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria Geral da União (CGU) que apontou fraudes nos descontos em mensalidades de aposentados e pensionistas do INSS. 

Em coletiva de imprensa, o líder do partido na Câmara, Mário Heringer (MG), afirmou que o problema de relacionamento com o governo Lula antecede a crise do INSS. Ele contou que a decisão de desembarcar da base foi tomada na noite de segunda-feira (5), após reunião da bancada que contou com a presença de Lupi. “A questão do INSS foi, na verdade, mais um episódio, o pingo d'água que faltava”, disse. 

Ainda segundo ele, a saída da base não quer dizer que o PDT irá compor com a oposição, mas sim manter postura de independência. “Não é retaliação ou posição de antagonismo.  Temos que tomar cuidado dos movimentos que a gente faz pra não parecer que a gente está escolhendo o outro lado. Estamos escolhendo o nosso lado e somos contra essa polarização”. 

Heringer ainda defendeu a imagem da sigla. “Não estamos na oposição porque a oposição que se apresenta hoje não é uma oposição que nós temos a mínima afinidade com eles. A posição de independência nos dá exatamente o que a palavra indica: vamos fazer o que nós tivermos vontade, desejo de fazermos em benefício do país, dos Estados e das pessoas com as quais a gente enfrenta no dia a dia para pedir votos”.

No mesmo dia da saída de Lupi, o presidente anunciou Wolney Queiroz como novo ministro da Previdência Social. Ele ocupava o cargo de secretário-executivo, sendo o número dois da pasta. Ex-deputado federal, ele também é filiado ao PDT. Segundo o líder do partido na Câmara, a escolha por Wolney foi uma decisão pessoal de Lula, e não uma indicação da legenda. 

“Foi uma escolha do presidente Lula, que tem uma relação de amizade com ele, e o nome dele foi escolhido por isso. Tenho certeza absoluta que ele aceitou essa indicação sabendo que íamos sofrer essas perguntas, como foi uma decisão do Lula.  (...) O dono da vaga é o presidente Lula. Isso é de todos os ministérios. Ele fica com quem ele quiser”, garantiu Heringer. 

A ameaça de desembarque foi feita ainda na semana ada. Após a operação e a especulação sobre a possível exoneração de Lupi, a bancada já havia sinalizado a intenção de deixar a base aliada no Congresso. Atualmente, o PDT conta com 17 deputados e três senadores. A decisão afeta somente a Câmara, e os senadores optaram por continuar na base de Lula.

A debandada da bancada do PDT e a adoção de uma postura independente muda a configuração da base na Câmara dos Deputados e retira do Palácio do Planalto 17 votos fiéis. Os votos com quem Lula pode contar não são regulares. Na prática, os deputados de partidos do Centrão com cadeiras na Esplanada dos Ministérios não entregam seus votos em totalidade para o governo Lula. Bancadas de União Brasil, PP, Republicanos, PSD e MDB se dividem no apoio às propostas governistas na Câmara. 

No papel, Lula conta com os apoios de 14 partidos — entre eles o próprio PT, claro. As siglas representam 375 deputados. Sem os nomes do Centrão, que representam um apoio incerto, o número de deputados que realmente compõem a base de Lula cai para 139 — nessa lista estão incluídos: PSB, Podemos, PSOL, Rede, PCdoB, PV, Avante, Solidariedade e o PT.

A queda de Lupi

Lupi, que é presidente nacional do PDT, tornou-se um dos principais alvos de críticas políticas e istrativas após a deflagração da Operação Sem Desconto, no dia 23 de abril. Ele, porém, não é investigado por envolvimento na fraude. A pressão para Lula demitir o então ministro foi imediata.

Lupi foi avisado pela primeira vez das fraudes no INSS ainda em julho de 2023, mas só colocou o tema em discussão com auxiliares em abril do ano seguinte. Depois disso, não retornou à pauta. Mesmo assim, os descontos ilegais só foram suspensos na última sexta-feira (2), após a operação..

O ministro itiu que já sabia das denúncias de fraude, mas negou que tenha sido omisso.  Ele se defendeu afirmando que à época, pediu uma apuração interna sobre as denúncias, mas que levou “tempo demais”. Em audiência na Comissão de Previdência da Câmara dos Deputados, na terça-feira (29), ele negou ser o responsável pelo INSS, apesar de o órgão ser vinculado à pasta.

Além disso, a relutância de Lupi em demitir o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, gerou um desgaste na relação entre ele e Lula. O presidente da República determinou que ele exonerasse Stefanutto logo após a divulgação do escândalo, mas o ministro defendeu seu subordinado. Por fim, coube ao próprio Lula tomar a atitude.

O líder do PDT na Câmara saiu em defesa de Lupi durante a coletiva de imprensa nesta terça-feira (6). "Ele cansou, cansou dessa batalha e pediu para sair, porque é difícil ter mulher, filho, amigos e, de uma hora para outra, ser chamado de ladrão de R$ 6 bilhões. Isso não fica bem no coração de ninguém".

"Ele está hoje muito mais equilibrado do que antes, muito tranquilo. Se comportou maravilhosamente bem naquela comissão. Lupi não é de recuar; ele se comportou com calma, mesmo ouvindo impropérios ali. Ele estava bem, ouviu todas as ponderações, mas não fez nenhum movimento que pudesse gerar uma notícia relevante", completou Mário Heringer. 

A operação

A operação da PF e da CGU revelou um esquema em que entidades suspeitas realizavam descontos mensais diretamente nos benefícios de aposentados e pensionistas, sem autorização legal ou com base em fraudes documentais. As investigações apontam que o esquema movimentou R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024.

Com o desenrolar das investigações, a Polícia Federal prendeu seis pessoas e cumpriu 211 mandados de busca e apreensão em 13 Estados. Um dos alvos centrais foi Alessandro Stefanutto, então presidente do INSS, que foi afastado do cargo por ordem judicial e demitido no mesmo dia por Lula. A escolha de Stefanutto para a presidência do órgão partiu diretamente de Carlos Lupi.