Legado de Francisco
Desde sua eleição, o pontificado de Francisco foi marcado por um estilo pastoral inovador e um compromisso com a transformação institucional da Igreja Católica
Desde sua eleição, em 2013, como o primeiro papa jesuíta e latino-americano, o pontificado de Francisco foi marcado por um estilo pastoral inovador e um compromisso com a transformação institucional da Igreja Católica. Com ênfase em misericórdia, justiça social e reforma da Cúria Romana, seu papado buscou equilibrar tradição e modernidade, promovendo uma Igreja mais inclusiva e voltada para as “periferias existenciais”. No entanto, sua condução também enfrentou críticas de setores conservadores e desafios persistentes, como os escândalos de abuso sexual e polarização dentro da Igreja. Analisar seu legado exige considerar tanto seus avanços simbólicos quanto tensões entre reforma e continuidade no catolicismo.
Sua ênfase renovada na justiça social e pastoral ficou refletida em suas encíclicas e ações. Documentos como “Laudato Si’” (2015) e “Fratelli Tutti” (2020) reposicionaram a Igreja Católica como voz ativa em debates globais, desde a crise ambiental até a desigualdade econômica. Internacionalmente, Francisco redefiniu o papel diplomático do Vaticano mediando conflitos; contudo, sua abordagem a regimes autoritários (China, Rússia) foi considerada excessivamente conciliatória em momentos cruciais. Seu legado, em síntese, é o de um reformista político pragmático.
Ele também promoveu mudanças internas significativas, como a constituição “Praedicate Evangelium” (2022), que reestruturou a Cúria Romana e ampliou a participação de leigos, incluindo mulheres, em cargos de decisão. Seu foco na descentralização buscou equilibrar poder entre o Vaticano e conferências episcopais locais. A criação de mecanismos de transparência financeira, como a Secretaria para a Economia, em 2014, respondeu a escândalos de corrupção, apesar de ainda ser vista como incompleta.
No campo da moral e doutrina, adotou postura pastoral mais flexível, especialmente em questões familiares (“Amoris Laetitia”, 2016), permitindo maior integração de divorciados recasados. Gestos como a abertura a uniões civis e sua ênfase na misericórdia sobre o rigor doutrinal geraram esperanças de reformas, mas também tensões com tradicionalistas. Apesar de manter a proibição do sacerdócio feminino, nomeou mulheres para posições de liderança inéditas no Vaticano, como a sa Nathalie Becquart no Sínodo dos Bispos, em 2021.
A resposta aos escândalos de abuso sexual revela tanto avanços quanto limitações. Francisco estabeleceu normas mais rígidas para responsabilizar bispos (“Vos estis lux mundi”, 2019) e revogou o sigilo pontifício em casos de abuso. No entanto, é possível ver falhas na aplicação dessas medidas, como a lentidão em processos canônicos e a falta de transparência em casos envolvendo cardeais influentes. Seu legado nessa área permanece ambíguo: reconhecido por ações sem precedentes, mas ainda questionado por vítimas e reformistas.
Ao fim e ao cabo, o papa que se despede deixa um legado importante para o catolicismo, tendo conseguido mover suas estruturas parcialmente, porém em pontos basilares. Aquele que virá encontrará um ambiente muito diferente daquele com que Francisco se deparou, e podemos considerar isso um sinal positivo, algo que aproximou os católicos da Igreja de Pedro.