e mais publicações de Fernando Fabbrini

Fernando Fabbrini

Fernando Fabbrini escreve todas as quintas-feiras no Portal O Tempo

OPINIÃO

Essas modas

Corpos carimbados e jeans retalhados

Por Fernando Fabbrini
Publicado em 27 de fevereiro de 2025 | 03:00

Tomando um café no shopping, certo cidadão chamou-me a atenção de maneira especial e por dois motivos. Primeiro: tinha ele o corpo inteiramente coberto por tatuagens, do couro cabeludo aos artelhos. Tudo; área construída completamente decorada. No curto espaço de tempo que permaneci ao seu lado pude identificar rostos de meia dúzia de deuses nórdicos; frases imensas em hieróglifos que lhe subiam pelas batatas das pernas; símbolos místicos da Cabala ou do Tarô; arabescos, grafismos maoris, ideogramas do I-Ching, dragões, serpentes, além de uma infinidade de outros desenhos enigmáticos que ocupavam as demais zonas disponíveis da epiderme, sem desperdício. Enfim: o cara era a amostra viva de um catálogo de tatuador.

Isso foi antes do calorão recente, noite chuvosa e fria de dezembro. Ora: aí é que mora o esquisito: o referido catálogo ambulante vestia apenas um short reduzido e uma camisa regata, mínima, além de sandálias havaianas. Troquei olhares cúmplices com a balconista da lanchonete – que notara meu interesse naquela policromia humana – e ela sussurrou discretamente:

- Ele vem muito aqui. Está sempre meio pelado mesmo, pra mostrar as tatuagens. Se cobrir o corpo com alguma roupa... Perde a graça, né?

A outra esquisitice com a qual me deparei também pertence ao universo da moda. Como tantos de minha geração, acho que os jeans clássicos five pockets, índigo blue detêm o posto de descoberta mais importante desde a invenção da pólvora ou as Grandes Navegações. Nos anos 60 jeans eram raros. A gente comprava as calças Lee e Levi’s de contrabandistas amadores – tripulações de companhias aéreas – que os traziam escondidos desde os EUA e nos vendiam a preços exorbitantes.

Estava então numa dessas lojas de consertos de roupas, onde tinha levado meus novos jeans para fazer bainhas. A mocinha, muito solícita, já marcara com alfinetes a barra da calça e agora preenchia o talão para pagamento do serviço. Eis que adentra ao recinto uma senhora afobada, carregando uma sacola de roupas. Interrompendo meu atendimento – coisa muito comum nesse Brasil mal-educado – ela avançou sobre o balcão, perguntando em voz alta:

- Vocês rasgam jeans, não rasgam?

Pensei ter ouvido mal. Ali não era uma loja de reparos, remendos e outras artes costureiras? Talão na mão, eu já pensava ir embora. Porém, a frase intrigante fez-me apurar os ouvidos. Fingi procurar alguma coisa dentro da mochila, estacionando discretamente junto à cliente citada. Que surpresa: a balconista, como se fosse a coisa mais natural do mundo, respondeu de imediato:

- Sim, rasgamos. Como a senhora quer?

Com mil botões, zíperes, agulhas e alinhavos! Não saio daqui sem entender a coisa! Rasgar calças? Que diabo é isso? A mulher abriu a sacola e de lá sacou um jeans novinho, lindo, perfeito, ainda com etiquetas de fábrica. Depois, tirou o celular. Ansiosa, correu os dedos ágeis pela tela, cutucando-a. Eu, fingindo consultar a tabela de preços do estabelecimento, estiquei o pescoço. No celular surgiram fotos detalhadas de jeans rasgados nos joelhos, nas panturrilhas, nas pernas – como se saídos de uma perseguição de cachorro bravo ou de um pulo malsucedido sobre cerca de arame farpado.

- Quero três rasgos no joelho direito, quatro no esquerdo. Dois rasgos nas coxas, mas não muito grandes, tá?

- OK, fica em tantos reais – disse a balconista. – Pra sexta, tá bom?

- Beleza, vou usar numa festa no sábado.

Tá certo: tatuagens generalizadas à prova de geadas e jeans esfarrapados de propósito estão na moda, é muito normal. O problema é comigo. Devo estar envelhecendo e desbotando naturalmente junto com meus jeans.