Confusão na certa
Essa história de usar o cartão do outro dá confusão. Os valores são arredondados para cima
Venho caindo no golpe da esposa, muito praticado em casamentos longos, caracterizados pela confiança.
Eu fui quitar nossa viagem à vista, incluindo hospedagem e aéreo. Beatriz não deixou:
- Não faça isso, amor. É burrice. Coloque no meu cartão de crédito. Assim eu acumulo pontos e podemos viajar ainda mais. Depois você me a.
No fim do mês, ela me especifica quanto devo. A questão é que o pagamento nunca termina, ou parece maior do que eu me lembrava.
Já fico com a sensação de que estou bancando os dispêndios dela.
Essa história de usar o cartão do outro dá confusão. Os valores são arredondados para cima.
Não vou ao Procon, pois o dinheiro tem permanecido no casamento, não na agência de viagens.
Brincadeiras à parte, exige-se muita coragem para cobrar uma dívida do seu parceiro.
Quem deve sempre esquece. Quem deve sempre acha que a soma está errada. Quem deve nunca repõe a quantia espontaneamente.
Em vez de facilitar a comunicação, dificulta. Simplesmente por se importar unicamente com a sua fatura, e apagar da memória o trato firmado.
Não percebe o óbvio: sua fatura veio baixa porque gastou tudo na conta do seu par.
Na data do vencimento, ele festeja a boa notícia do seu boleto, numa miragem, numa ilusão, enquanto a má notícia corre ao lado. Sua alma gêmea sublinha com caneta hidrocor o que é a sua cota.
Realizo aqui uma mea-culpa.
A verdade é que Beatriz sofre comigo. Sou pego de surpresa por aquilo que foi combinado previamente. É um defeito do software masculino.
Funciona assim para qualquer compromisso assumido. Ela marca um jantar com a família com um mês de antecedência. Só no dia, eu redescubro o jantar e tenho que desmarcar demandas que programei equivocadamente, como futebol ou bar com os amigos. Não anotei nada, apenas disse “sim” a ela.
O “sim” do homem é indefinido, profético, vago, sem prazo de validade, e serve para todas as ocasiões. Revela sua intenção de comparecer, não significa sua palavra empenhada.
Ele concorda não escutando direito. Ou melhor, ele escuta, mas acredita que está tão longe o encontro que não precisa se preocupar no momento. Entende que não é uma urgência, então não se planeja. Guarda o fato na gaveta dos extravios do seu cérebro.
Como não agenda horário no salão, não se arruma, acaba não conhecendo o poder das vésperas e dos preparativos. Não vive a contagem regressiva do evento.
Minha esposa não é malandra. Eu sou o malandro, mesmo que involuntário.
Posto que não reservo o dinheiro para honrar o acordo, eu chego ao cúmulo de parcelar o parcelamento feito no nome dela.
Reponho a conta-gotas sem juros e a perder de vista. Para se ter uma ideia do cambalacho, hoje ainda persiste um residual do mês de janeiro.
O que posso concluir é que o melhor empréstimo que existe no mercado tem sido permitir que a esposa pague as minhas despesas no seu cartão de crédito.
Benditos pontos da milhagem.