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Fabrício Carpinejar

Poeta escreve às sextas no Magazine e no Portal O Tempo

OPINIÃO

Singelezas premiadas

Na bendita roça, destacam-se o convívio, o coração bom e singelo, a exuberância da lavoura, da pecuária e do artesanato

Por Fabrício Carpinejar
Publicado em 14 de março de 2025 | 03:00

Minha esposa já recebeu um prêmio estranho numa rifa. Foi em Rio Espera, cidade natal de sua mãe, dentro da tradicional Festa do Rio-Esperense, que acontece no último final de semana de julho.

Ela não pôde usar nem ficar com o galardão do sorteio, porque se tratava de um porco. Um porco de 250 quilos bem sujinho de lama.

Não teria como levar para seu apartamento em Belo Horizonte. Muito menos queria vê-lo morto e servido com uma maçã na boca. Matar o resultado da benesse deveria dar um azar vitalício.

O que sobrou de alternativa foi abdicar da glória. Preferiu não se denunciar como a sortuda aos organizadores do evento. Não falou que tinha o número e deixou que um novo candidato fosse escolhido na sequência.

No interior do estado, são muito comuns esses brindes extravagantes: galinhas, latas de mocotó, queijos, goiabadas, pás, enxadas, selas de cavalo…

Não encontrará o mesmo repertório urbano de gratificações: bicicleta, televisão, carro, som, geladeira.

O consumismo não é páreo para a vida simples.

A comunidade valoriza o que a comunidade produz, com presentes para desfrutar, jamais ostentar.

Nesse sentido, a cozinha é mais importante do que a sala. A geladeira e a despensa são mais importantes do que o guarda-roupa.

As rifas não mandam as pessoas para longe com viagens para capitais e outros estados. Oferecem eios de charrete e cortesias em restaurantes locais.

Tampouco têm interesse em incentivar a safadeza com noites em motel, como vem ocorrendo em confraternizações de empresas. No máximo, disponibilizam uma broa para dividir com a sogra.

Tudo é para permanecer no município. As boias incentivam as visitas a cachoeiras ali perto. As camisetas de futebol não são do Cruzeiro ou do Atlético, e sim dos times da várzea.

Na bendita roça, destacam-se o convívio, o coração bom e singelo, a exuberância da lavoura, da pecuária e do artesanato.

Os eletrodomésticos são substituídos por produtos feitos à mão, a partir de receitas seculares de família.

Tudo está impregnado do cheiro de ado: o café coado no pano e as jabuticabas colhidas do pé.

Tenho amiga de Bom Despacho que já ganhou uma árvore de Natal tão grande que não cabia na sua sala. Seu pai, por sua vez, já ganhou um saco de mandioca. Tenho amigo de Piumhi que ganhou marmitas por um mês, com porções de fígado com jiló, frango com quiabo, tropeiro, leitão à pururuca com farofa. Tenho amigo de Prados que ganhou, na celebração do Boi Mofado, uma algibeira de couro. Tenho amiga de Pedro Leopoldo — no Circuito das Grutas, cidade que exalta o Boi da Manta — que ganhou um escapulário de Santo Antônio. Tenho amigo de Jequitinhonha, conhecida pelas suas quadrilhas juninas, que ganhou a e potes de barro, colheres de pau e peneira, utilizados até hoje.

Entre sorteios diferentes, é possível constatar que não há maior sorte e bênção do que nascer em Minas. O resto é consequência.