e mais publicações de Cristovam Buarque

Cristovam Buarque

Cristovam Buarque é professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

CRISTOVAM BUARQUE

Hamas venceu: inteligência morreu

A realidade brutal se repete

Por Cristovam Buarque
Publicado em 23 de maio de 2025 | 07:00

Em geral, artigos em jornal morrem no dia seguinte à publicação. Mas, ao assistir ao noticiário dos últimos dias sobre a violência do Exército israelense em Gaza, 20 meses depois de um artigo que publiquei, em 2023, creio que se justifica republicá-lo. Assim, segue o texto por permanecer oportuno.

Nenhum país do mundo tem o acervo de Israel em inteligência. Apesar disso, a política externa israelense não consegue construir uma nação em paz com seus vizinhos porque, provocados por grupos terroristas, seus dirigentes abandonam a inteligência da diplomacia, construtora da convivência no longo prazo, e optam pelo poder militar, da destruição da população palestina. Caem nas armadilhas dos que precisam incentivar o radicalismo que se retroalimenta, impedindo a paz e promovendo o ódio.

Sobre os escombros de Gaza e os cadáveres de crianças palestinas, o Hamas venceu ao levar Israel para a barbárie. Mesmo que o Exército de Israel mate todos os militantes do Hamas e seus irmãos e destrua todos os prédios onde eles habitam, no longo prazo, Israel não terá vencido a guerra, porque muitos dos que se opõem a ele devem estar usando a destruição de Gaza e as imagens de crianças soterradas para alimentar o antissionismo e o antissemitismo.

O Hamas conseguiu diminuir o número dos que dizem: “Faça o que fizer o governo de Israel com as crianças de Gaza, continuarei respeitando e irando o povo judeu”. O mundo precisa continuar a respeitar e ser solidário com os judeus, não esquecer as diásporas, genocídios, holocaustos e guetos que eles sofreram, mas Israel precisa de estadistas que não pratiquem diáspora, genocídio, holocausto, guetos contra os palestinos.

Segundo Hannah Arendt, o nazista gestor da “solução final” foi um burocrata banal movido pelo clima antissemita. Hoje, os dirigentes israelenses são políticos banais com obsessão por solução militar, sem inteligência política nem diplomática. O ódio e a raiva matam a inteligência e dão ao Hamas a vitória de serem confundidos com o povo que sacrificam. Se fossem estadistas, denunciariam a brutalidade desumana dos terroristas, preparariam as armas, mas convenceriam seus eleitores de que o momento da vitória chegaria com o apoio do mundo inteiro, inclusive de palestinos, chocados com os atos do Hamas e com a própria tragédia social em que vivem sob o governo desse partido insano. E formulariam um mapa para a construção de dois Estados convivendo em paz. 

Esta seria a verdadeira derrota do Hamas, sem dar-lhes o combustível de milhares de inocentes soterrados nos escombros que servirão de plataforma para ampliar o terrorismo, o antissionismo e o antissemitismo.