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Cida Falabella

Vereadora de Belo Horizonte pelo PSOL

CIDA FALABELLA

Feministas contra Gilead*

Misoginia na Câmara reafirma importância de festival Mulheres em Lutas

Por Cida Falabella
Publicado em 17 de abril de 2025 | 07:00

O maior festival feminista do Brasil. Foi assim que o MEL – Mulheres em Lutas se apresentou e, de fato, não se tratou de superlativo. A convocação feita por Manuela D’ávila, Áurea Carolina, Iza Lourença, entre outras, ecoou e, de 11 a 13 de abril, 2 mil mulheres do país inteiro, e também de outros países, se concentraram na Nave da Mídia Ninja, em São Paulo. Painéis, palestras, oficinas e atividades culturais mostravam o objetivo comum de fortalecimento frente à misoginia fascista e enfrentamento à violência contra a mulher, incluindo a violência política. Nos encontramos, nos reconhecemos, partilhamos e combinamos de ser um enxame feminista nos parlamentos, nas redes e nas ruas. Dias mulheres virão!

Aportando em BH, ainda tomada pela experiência, fico sabendo que a Câmara Municipal irá votar o projeto de lei que institui um dia municipal para celebrar os métodos contraceptivos naturais. A princípio, o PL 39/2025 parece inofensivo, por trás da iniciativa, no entanto, está a entrada de Belo Horizonte no Natalismo, um movimento internacional e misógino, capitaneado por nomes como Elon Musk e Viktor Orbán, e que tem como premissas o “retorno da mulher ao seu papel tradicional de mãe” e o crescimento das famílias conservadoras. 

De autoria do vereador Uner Augusto (PL), o projeto de lei foi votado por 37 dos 41 vereadores, e recebeu 22 votos favoráveis, 11 contrários e 4 abstenções, tendo sido aprovado em turno único. Para virar lei, é necessária, ainda, a sanção do prefeito.
Trata-se também de uma lei anticientífica e negacionista, uma vez que os métodos naturais não são, comprovadamente, os mais eficazes para cuidar do planejamento familiar e evitar gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis.

Uma lei que incentiva métodos que expõem mulheres, adolescentes e crianças a doenças é um retrocesso inimaginável e vai de encontro ao papel da Câmara de zelar pelas políticas públicas e pelos direitos da população. Os natalistas agem ideologicamente para incentivar as mulheres a terem mais filhos, e não se engajam em políticas de amparo à maternidade, como o aumento das vagas em creches e das licenças parentais.

A exaustão das mulheres em geral e das mães especificamente foi um assunto que atravessou o MEL, e se fez presente na oficina que ministrei ao lado das parceiras do Think Olga, Etinerâncias, Instituto Alziras e Instituto Procomum. “Os cuidados no centro da política” abordou a importância da política e da economia dos cuidados, o cuidado como direito e a urgência de termos políticas públicas que possibilitem a diminuição da carga dos cuidados sobre as mulheres, um obstáculo para o bem viver e para a ampliação da presença de mais mulheres na política e no ativismo, por exemplo.

Outro tema presente ao longo dos debates do festival foram os ataques orquestrados nos parlamentos brasileiros contra os direitos das mulheres. Na Câmara Municipal de BH, tramitam mais de 20 projetos de lei contra a cultura, a educação, os direitos de mulheres, crianças e da população LGBTQIAPN+, e que atentam contra a laicidade do Estado. Nesta semana, foi aprovado o Dia Municipal dos Métodos Naturais, na semana ada, o projeto de lei que institui a Bíblia como material paradidático nas escolas da cidade (PL825/2024).

Foi muito impactante vir desse movimento que defende saúde sexual e reprodutiva, mais mulheres na política e paridade de gênero nos espaços de poder, e chegar em Gilead. O fascismo se estrutura no ódio pelas mulheres e, sendo uma expressão do patriarcado e de suas violências extremas, tem medo dos nossos avanços. E é por isso que nos juntamos e, estando juntas, bradamos de mãos dadas: Não arão!

(*) Gilead é um país fictício, uma república totalitária e teocrática que substituiu os Estados Unidos, cenário do romance ‘O Conto da Aia’, de Margaret Atwood, e da série de televisão homônima. Em Gilead, a religião é usada para controlar as pessoas, sobretudo os corpos das mulheres.