Célia Xakriabá

Estamos presenciando um genocídio legislado 62c59

Ataque aos povos indígenas é pauta de repercussão geral 1o3y4u

Por Célia Xakriabá
Publicado em 25 de maio de 2023 | 07:00
 
 
Ilustração/O Tempo

Logo após o Abril Indígena e o Acampamento Terra Livre, a maior mobilização dos nossos povos no país, estamos sofrendo ataques diretos, o que tenho chamado de “uma proposta de genocídio legislado na Câmara dos Deputados”. Se em Minas Gerais estamos sempre falando da luta contra os roedores de montanhas e em defesa dos nossos biomas, o problema também se faz presente em outros territórios. Seja pelo garimpo, pelo desmatamento, pela própria mineração e também pelos que querem ar a boiada. O nosso recado é um só: seguiremos ando com nossos cocares. 

Diante do anúncio da votação do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal, prevista para o início de junho, deputados da destruição pediram a urgência da votação do Projeto de Lei 490/2007, que tenta transformar em lei a tese do Marco Temporal e ainda implementa uma série de medidas que retiram direitos, violentam e exterminam nossa cultura. É uma medida para continuar o projeto programado de ecocídio que vimos nos últimos quatro anos.

É preciso lembrar que a história do nosso povo não começa em 1988, como prevê o Marco Temporal. Garantir demarcação apenas para territórios que estavam ocupados até essa data é esquecer que somos originários dessa terra. É esquecer que somos responsáveis por garantir 80% da biodiversidade do mundo e que a garantia de terras é garantia de vida na humanidade. 

Para além de criminoso, estamos falando aqui de um projeto que também é inconstitucional e que viola direitos originários. Para citar alguns, falamos aqui de um projeto de lei que permite a retomada de “reservas indígenas” pela União, usando critérios completamente subjetivos e que coloca em risco ao menos 60 territórios. Estamos falando de cerca de 70 mil pessoas e de uma área total de 396,3 mil hectares.

Além disso, permite a implantação de mineração e grandes empreendimentos em terras indígenas, ignorando completamente o nosso direito à consulta livre, prévia, informada e consultiva. Direito garantido por legislação internacional, especificamente a convenção 169 da OIT. 

Ainda mais grave é a possibilidade de aprovar uma lei que legaliza os garimpos ilegais nas terras indígenas e abre brechas legais para destruir a política de “não contato” com indígenas isolados. A justificativa, nesse caso, é que o contato pode ser feito com a finalidade de “interesse público”. Eu me pergunto, o que seria esse interesse público com os nossos povos isolados? 

Todo território indígena no Brasil que eu conheço só foi demarcado depois da morte de alguma liderança indígena. Vocês sabem o que é isso? Os povos indígenas são os únicos que têm que pagar por seus direitos, e o preço é nosso sangue. Inclusive falo aqui também do meu próprio povo, o Xakriabá, que é originário de Minas e que precisou viver uma chacina para ter direito ao território.

Se falamos que em 1500 nossas terras foram invadidas, agora reforçamos que o que querem fazer em Brasília é um modelo moderno de extermínio. Eles são os Pedros Álvares Cabral do século XXI. Engravatados, clamando por civilidade, mas algozes e os que promovem o que de fato não é civilizado: o fim da vida na Terra. Que civilidade é essa que quer nos matar? Assassino não é só aquele que atira com a arma. Sofisticaram as armas, mas a intenção de matar continua a mesma desde 1500.

Vocês dizem que nós somos atrasados, mas atrasado para mim é ter um país e um Congresso que demorou 500 anos para eleger indígenas, 523 anos para ter uma mulher indígena presidindo uma comissão. Foram 523 anos para ter um Ministério dos Povos Indígenas e uma mulher indígena à frente da Funai. Atrasado é um país que quer votar retrocessos e implementar um projeto programado de ecocídio.

E em Minas Gerais, fizemos história e fomos vanguarda ao eleger uma mulher indígena como deputada federal. Mostramos que somos um Estado que quer romper com o racismo da ausência e que luta pelo meio ambiente e contra as mudanças climáticas. Mostramos que somos um Estado que resiste. E seguiremos protagonizando esse enfrentamento por todo o Brasil. 

O PL 490 para nós, povos indígenas, é um projeto anticivilizatório. 

Célia Xakriabá é deputada federal (PSOL-MG)