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Pesquisa de site adulto mostra que mulheres gostam de assistir sexo entre homens
Sexóloga questiona comoção em torno do tema: ‘se eles podem desejar pornografia lésbica, por que elas não podem desejar pornografia gay?’
Se, por um lado, o sexo entre mulheres há tempos figura entre as preferências dos homens heterossexuais no universo da pornografia, por outro, cresce entre as mulheres o interesse por conteúdos protagonizados exclusivamente por homens.
É o que aponta o mais recente relatório do Pornhub, maior plataforma de vídeos adultos do mundo, que indica um aumento na busca feminina por categorias como “homens musculosos”, “masturbação masculina solo” e “homens bissexuais”. Outra evidência dessa tendência é encontrada na lista dos modelos mais buscados por elas em comparação com os homens: todos eram atores gays ou bissexuais – como Dom King, Alex Mecum e Diego Sans, vistos 468%, 373% e 316% mais vezes por mulheres, respectivamente.
Claro, categorias clássicas como “lésbica”, “MILF” e “anal” ainda dominam o ranking de categorias mais populares, ainda que “lésbica” tenha registrado uma queda de interesse pela primeira vez desde 2022, enquanto a busca por vídeos com “homens musculosos” cresceu 51% – um aumento que o relatório atribui, em parte, ao crescimento do público feminino na plataforma, que buscaria mais esse tipo de conteúdo. Hoje, elas representam 38% dos os do site, um salto de 58% em uma década.
Evidentemente, as transas entre homens não são o único interesse delas no site. Vídeos focados na estimulação íntima feminina, por exemplo, atraem o olhar feminino – como vídeos de sexo oral e “dedilhados” em mulheres, ou delas na posição “tesoura”, em que duas parceiras, com as pernas abertas, encaixam suas genitálias, estimulando-as simultaneamente. Ainda assim, o sexo entre eles continua ganhando espaço – as buscas pela categoria “homens bissexuais”, por exemplo, cresceram 60% entre as usuárias do Pornhub.
Site já apontava para tendência
Não é a primeira vez que o site aponta o interesse das mulheres pelo sexo entre homens.
Há cerca de dez anos, o artigo “Garotas que gostam de garotos que gostam de garotos” já chamava atenção para o tema ao apontar que 37% da audiência da pornografia gay masculina do Pornhub era feminina – o que indicava uma chance 69% maior de uma mulher se interessar por esse conteúdo do que um homem.
À época, a categoria “pornô gay masculino” ocupava o segundo lugar entre as preferências femininas, liderando entre mulheres com mais de 45 anos e despertando o interesse de 40% das jovens entre 18 e 24 anos.
Distâncias culturais pedem cautela
Para a ginecologista e sexóloga Adriana Moreira Sad, com 37 anos de experiência clínica atendendo principalmente mulheres maduras – muitas delas em fase climatérica ou menopausa –, os resultados do relatório surpreendem, destoando do que observa em consultório.
A discrepância levou a especialista a questionar a aplicabilidade dos dados ao contexto brasileiro. Ela ressalta que, sendo o Pornhub uma plataforma norte-americana, é arriscado tirar conclusões sem considerar o impacto de fatores culturais – como a predominância católica no Brasil, em contraste com o protestantismo dos Estados Unidos, entre outros fatores culturais que influenciam a expressão da sexualidade e das fantasias eróticas.
De fato, os Estados Unidos lideram com folga o tráfego do site, com cerca de três vezes mais os que a França, segunda colocada no ranking. O Brasil aparece apenas na sétima posição.
Adriana, aliás, prefere evitar análises categóricas sobre o comportamento sexual feminino a partir do levantamento do Pornhub, que, como ressalta, é essencialmente quantitativo e não avança para questões mais subjetivas. Para ela, aliás, o mais importante é garantir o direito das mulheres à liberdade sexual e à exploração de suas fantasias, independentemente da orientação ou das práticas envolvidas.
A sexóloga também chama atenção para o duplo padrão no modo como se discutem os desejos sexuais: embora o interesse masculino por pornografia lésbica mantenha essa categoria entre as mais assistidas ano após ano, isso nunca motivou o site a divulgar um relatório sobre “garotos que gostam de garotas que gostam de garotas”. “Mas quando o desejo que parte das mulheres foge da norma, ele é problematizado”, critica.
O ideal, prossegue, seria que esses dados motivassem pesquisas mais profundas sobre o comportamento sexual feminino e masculino no mundo pós-moderno.
Algumas hipóteses
Ainda que os achados do relatório não sejam plenamente aplicados no Brasil, não foi difícil encontrar brasileiras que se identificam com esse interesse. Uma delas, de 30 anos, conta que sentiu alívio ao conhecer os dados: “Eu achava que era esquisitice minha”, diz. Outra, de 37 anos, afirma preferir o conteúdo gay masculino por considerá-lo “mais verdadeiro” do que o pornô hétero. Para a também ginecologista e sexóloga Isabela Aguiar, essa percepção parece ter fundamento.
“Muitas produções pornográficas mostram um sexo irreal, centrado no prazer masculino e com atuações exageradas”, analisa, acrescentando já ter ouvido mulheres que sentem até gatilhos de abuso ao assistir a esses vídeos. Nesse contexto, é curioso notar que o interesse por conteúdo gay masculino aparece como um refúgio e um paradoxo: se não há representação feminina, também não há a caricatura da feminilidade com que tantas mulheres não se identificam.
Adriana Moreira Sad, apesar das ressalvas apontadas, também propõe uma hipótese: entendendo que a pornografia muitas vezes reproduz estruturas patriarcais de dominação, ela sugere que o interesse de mulheres por vídeos gays pode carregar, simbolicamente, uma inversão de papéis. “Talvez haja um desejo inconsciente de ver o homem em posição de vulnerabilidade, de submissão, como resposta às experiências de submissão e violência vividas pelas mulheres”, sugere.
A sexóloga reforça, no entanto, que o interesse por esse tipo de conteúdo não está, necessariamente, ligado à valorização da masculinidade ou à crença de que só o prazer entre homens seria “real”, representando, antes de tudo, algo mais simples: uma estratégia para a excitação feminina. “O comportamento sexual é individual”, frisa. “E fantasias com pessoas do mesmo ou de outro sexo não definem orientação. Assistir pornografia gay não significa desejar parceiros gays – e sim ar uma forma particular de desejo”, situa.
Estranhamento
Se, de um lado, é difícil e arriscado apontar razões que expliquem o interesse feminino pelo pornô gay masculino, de outro, parece um tanto óbvio os motivos de essa fantasia causar tanta comoção: a persistente crença de que mulheres não são – ou deveriam ser – seres desejantes.
“A ideia, por exemplo, de que mulheres não respondem a estímulos visuais é um mito, e um preconceito”, afirma Adriana. Isabela Aguiar concorda: “Ainda é muito comum ouvir que o corpo masculino é feio, que o nu masculino é estranho, sendo tratado como algo entre o grotesco e o engraçado. Já o feminino, por outro lado, é considerado naturalmente erótico e desejável”.
Ela prossegue assinalando que essa lógica justifica a exposição constante dos corpos femininos no contexto do erotismo e objetificação e, simultaneamente, causa o efeito oposto em contextos de autonomia. Por exemplo, diz, o fenômeno aparece na cultura pop – com o corpo feminino surgindo desnudo e erotizado em filmes, séries e revistas –, enquanto esse mesmo corpo surge tutelado em situações do cotidiano – vide a diferença de tratamento dada aos mamilos femininos e masculinos, que torna o topless um paradigma somente para elas.