Socorro internacional

Recursos do Fundo Amazônia e da União Europeia serão usados para os Yanomami

Entenda sobre o apoio de outros países para a situação dos indígenas do Estado de Roraima

Por Gabriel Ronan
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 23:30

Diante da comoção internacional por conta da crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, diferentes países ao redor do mundo e a Organização das Nações Unidas (ONU) reuniram esforços para auxiliar o Brasil no socorro aos indígenas. Logo nas primeiras semanas da emergência, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou que recursos do Fundo Amazônia seriam usados. O dinheiro vem, principalmente, da Alemanha e da Noruega, além de aportes da Petrobras. Ao mesmo tempo, entidades não governamentais reuniram esforços para auxiliar no e às vítimas.

 

“(O dinheiro será usado) na questão da saúde; no tratamento ao problema da grave situação de fome, que está assolando as comunidades; e na parte de segurança, para que essas pessoas possam ficar em suas comunidades. Isso tem a ver com operações de desintrusão do garimpo criminoso dentro dessas comunidades”, disse a ministra sobre o uso do Fundo Amazônia para socorrer os Yanomami. 

 

Desde 2009, o Brasil recebeu 14 doações da Noruega para o Fundo Amazônia, citado por Marina Silva. O contrato inicial previa solicitação do BNDES ao país europeu a cada semestre, ou em menor período. Desde então, o contrato teve cinco aditivos, mas houve interrupção da transferência em dezembro de 2018. Até o momento, Oslo contribuiu com R$ 3,186 trilhões para preservar o bioma brasileiro, recurso que é condicionado à redução das emissões de gases de efeito estufa devido ao desmatamento.

 

Já a Alemanha realizou cinco doações entre 2010 e 2017. O valor total é de R$ 192 bilhões para financiar projetos. A Petrobras, por sua vez, reou ao fundo R$ 17,2 bilhões entre 2011 e 2018. As transferências pararam há quase cinco anos, apesar de a estatal ter batido recordes consecutivos de lucro diante do alto preço do petróleo no mercado internacional.

 

ONU e União Europeia

 

Ao mesmo tempo, a coordenadora residente da ONU no Brasil, Silvia Rucks, se reuniu com o novo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, para entender as demandas de apoio do governo brasileiro. Em Nova York, o secretário geral, Stephane Dujarric, havia afirmado que as Nações Unidas se comprometeram a reunir esforços de 12 agências da ONU para preparar “uma proposta de resposta integrada, oferecendo apoio imediato para atender às necessidades emergenciais da comunidade (Yanomami)”.

 

Outra contribuição internacional veio da União Europeia (UE). Em entrevista à TV Globo, o vice-presidente da Comissão Europeia e líder das negociações climáticas da UE, Frans Timmermans, disse que entre ¤ 500 mil e ¤ 750 mil (R$ 2,7 milhões a R$ 4,1 milhões) seriam reados ao governo brasileiro para prestar apoio aos indígenas. O recurso, que vem do Departamento de Ajuda Humanitária da Comissão Europeia, foi usado para ajuda médica e nutricional das vítimas da crise humanitária. “A União Europeia realmente quer fazer parte e levar infraestrutura para essas pessoas. Precisamos criar um futuro para elas, precisamos lutar contra o fato de elas estarem desesperadas nessa situação”, afirmou Timmermans.

 

Relações internacionais

 

A relação do Brasil com outros países, historicamente, sempre foi sensível às questões ligadas ao meio ambiente e à Amazônia. Diante do abandono dos Yanomami, Mario Schettino Valente, professor no Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), avalia que o país enfrenta esse tipo de problema já de maneira recorrente e que a situação atual cria embaraços.

 

“Uma das principais questões do Brasil é a preservação ambiental. É onde está localizada a maior massa de floresta úmida do mundo, menos destruída que outros biomas do planeta. Isso é importante para a regulação do clima global. Se na década de 90 ainda era uma preocupação inicial, com as alterações climáticas e o aquecimento global, hoje essa preocupação é mais imediata”, disse Valente.

 

Direitos humanos. O professor da UFMG ressalta outro ponto sobre o abandono dos Yanomami, que vai além da questão ambiental. “É sobre direitos humanos. As cenas que tivemos o nas últimas semanas são de uma gravidade muito grande, porque era um povo isolado até o fim do século XIX e início do século XX. A partir dos anos 1980, você tem, dentro do Regime Militar, uma tentativa de garantia de soberania na região. Há uma certa ausência do Estado e até uma conivência. Essa é uma preocupação internacional que começou a partir da Segunda Guerra por conta do Holocausto. É uma ideia em que os povos são responsáveis pelos seus próprios destinos, sem que forças externas ou guerras sejam usadas para pôr fim a um povo”, afirmou Valente.

 

Incerteza sobre aplicação de recursos freia ajuda externa

 

Sobre o apoio internacional aparecer apenas após a divulgação das imagens dos Yanomami famélicos que chocaram o mundo, Mario Schettino Valente, professor no Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, entende que os países deixaram de rear recursos ao Fundo Amazônia pela incerteza quanto à aplicação, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Agora, há uma mobilização maior por uma conjunção de fatores: o impacto que as imagens trazem e o fato de o governo divulgá-las, com a presença do presidente (Luiz Inácio Lula da Silva) in loco, o que atrai o holofote”, diz.

 

Já sobre a atuação da ONU, o especialista afirma que as Nações Unidas perderam força como ator político para promover a paz, o que se demonstra, por exemplo, com a nulidade das articulações do órgão para frear a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ainda assim, o especialista acredita que a operação montada pela ONU com suas agências para socorrer os Yanomami pode servir para legitimar a existência do problema internacionalmente. “O know-how pode ser disponibilizado para resolver o problema e exercer as atividades necessárias para alívio do sofrimento do povo Yanomami”, projeta.