Coletividade

Mulheres Yanomami lutam por seu povo, suas crianças, seu território e cultura

Erica Vilela, liderança indígena que está à frente do movimento das mulheres Yanomami do Amazonas e de Roraima, fala com O TEMPO

Por Carla Chein
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 23:30

“Suwe míxia hiakawe totihiwe” ou, traduzindo do Yanomami, “lute como uma mulher indígena”. A referência ao slogan amplamente conhecido entre os não indígenas foi adotada durante um dos encontros, nos últimos dois anos, de mulheres indígenas de diversas etnias no Amazonas. Não deve, no entanto, ser interpretada como um movimento feminista. “Nós, mulheres indígenas, lutamos muito pelas causas coletivamente”, explica Erica Vilela Figueiredo, 32, presidente da Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (Amyuk), em entrevista a O TEMPO. A luta da mulher Yanomami, reforça Erica, é pelo seu povo, por suas crianças, por seu território, por sua cultura.

 

Na associação, Erica quer “fortalecer a política das mulheres no movimento indígena, ter participação coletiva e (promover) diálogos na defesa dos povos (originários)”. “Tô com cento e poucas (mulheres Yanomami) que participam das reuniões. Nem todas têm essa valorização (consciência)”, diz. Uma das dificuldades, conta Erica, é fazer com que as irmãs participem dos debates, já que elas têm muitas responsabilidades: cuidam dos filhos, colhem frutas e outros alimentos, trabalham nas roças e produzem cestarias que, além de darem retorno financeiro, divulgam a causa indígena.

 

A presidente da Amyuk assumiu a associação quando estava na quinta gestação. “Tenho cinco filhos. Sou de Maturacá, povo Yanomami, perto do Pico da Neblina, no Amazonas”, diz. À frente do movimento das mulheres Yanomami do Amazonas e de Roraima, ela conta que busca liderá-las no trabalho de cestarias e biojoias.

 

Entrevistar a líder Yanomami, que se encontrava em São Gabriel da Cachoeira (AM) – a mais de 3.300 km de Belo Horizonte e a 504 km da aldeia Surucucu (RR), onde esteve a equipe de O TEMPO –, não é tarefa fácil. Ela tem telefone celular, mas o sinal na região é ruim. “Tenho um tiquinho de internet”, justifica ela, ao pedir um prazo para responder às perguntas. O diálogo, por isso, é feito aos poucos, dependendo do sinal disponível.

 

Conversamos, pela primeira vez, no dia 1º de fevereiro e combinamos que a melhor maneira seria a reportagem mandar as perguntas por áudio, devido às limitações da comunicação. Atenciosa, ela conseguiu responder apenas por escrito, seis dias depois. A distância, a internet e as diferentes línguas que dificultam a entrevista servem de alerta para os obstáculos nos quais a luta Yanomami esbarra.

 

Uma luta que envolve defender o território indígena para garantir o sustento e a vida dos povos originários e proteger a vida de suas crianças, o futuro dos Yanomami. “Pra gente, é muito importante, porque eles que são o futuro, né? Nossas crianças que poderão lutar pelo próprio povo, por isso nossa maior preocupação é com eles, né? Pois nós, como mães e pais, não queremos perder nossos filhos por doenças como a malária, com desnutrição. É isso”, conclui.

 

Questionada sobre como as mulheres Yanomami veem a chegada simultânea de três indígenas ao poder em Brasília – Sonia Guajajara, Joenia Wapichana e Célia Xakriabá –, Erica responde: “É um avanço dos povos originários. Cada um de nós teve muita luta, por isso essas três mulheres estão no poder”. Para encerrar, uma pergunta não menos importante: como a mulher Yanomami quer ser vista? “Então, nós queremos que o mundo nos respeite como mulheres indígenas originárias, povo da floresta”

 

“A noção de luta de gêneros, de agenda feminista não se aplica às mulheres Yanomami”. Alcida Rita Ramos Antropóloga e professora emérita da Universidade de Brasília (UnB), que dedicou 50 dos seus 85 anos ao estudo do povo Yanomami"

 

Crime sexual se espalha por toda a região

 

Líder indígena explica que a defesa delas é por interesses coletivos ¬ Os estupros de meninas e mulheres Yanomami e outras violências a que as irmãs são submetidas por garimpeiros ilegais em Roraima também ocorreram na terra indígena dos Yanomami no Amazonas.

 

“Em toda a região está acontecendo essa violência, tanto estupro, garimpeiros casando com as meninas menores de idade, engravidando. Isso é no território todo que está acontecendo”, explica Erica Vilela Figueiredo, presidente da Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (Amyuk).