Influência na arquitetura atravessou as gerações
Italianos também foram fundamentais para a formação intelectual em Minas

As influências de imigrantes italianos para o desenho arquitetônico de Belo Horizonte se estenderam muito além do traçado e execução do plano-piloto – que contou com contribuições do arquiteto Luiz Olivieri, da Comissão Construtora da Nova Capital, a convite do engenheiro Aarão Reis, e com um grande volume de trabalhadores da construção civil de origem italiana, atraídos pelo imenso canteiro de obras que se abriu na região.
Afinal, nos anos seguintes, grandes mestres da arquitetura de origem ou ascendência italiana continuaram legando a BH edificações que dialogavam com a vocação moderna e a escala de grandeza de seu projeto.
“São obras de diferentes períodos que têm em comum a reconhecida importância, seja por abrigar instituições de poder, seja por contar a história da cidade. Tanto que muitas foram tombadas pelo patrimônio – pelo menos, as que sobreviveram ao tempo e à sanha demolidora e autofágica de BH, que está sempre derrubando o que entende como velho para erguer algo mais novo, em um constante sacrifício da história em nome da modernidade”, reflete Ulisses Morato, PhD em arquitetura pela Universidade de Lisboa.
As observações dele estão alinhadas com apontamentos da pesquisadora e historiadora Hiliana Angotti-Salgueiro, que, em uma agem do livro “Dicionário Biográfico de Construtores e Artistas de Belo Horizonte - 1894/1940”, escreve: “Sabe-se que a Itália foi o país de onde proveio o maior número dos profissionais ativos nos canteiros de obras de Belo Horizonte durante gerações. É pela construção civil e pelas atividades artísticas que o imigrante se inscreve na sociedade e se afirma na cidade”.
“Um desses grandes mestres italianos da arquitetura com atuação em BH foi José Lapertosa, responsável pelo projeto do antigo Palacete Márcio Alves Ferreira, de 1912 (rua Sergipe), onde funciona a Associação Feminina de Assistência Social da Polícia Militar”, diz Morato. O trabalho foi continuado por seu filho, Octaviano Lapertosa, que deixou obras como a casa onde morou o escritor modernista Cyro dos Anjos, a antiga Residência Antônio Augusto Veloso, de 1916 (rua Bernardo Guimarães, hoje, Idea Casa de Cultura).
Outro nome de relevo é o do ítalo-brasileiro Luiz Signorelli. “O trabalho dele é especialmente interessante dada sua habilidade de transitar por diferentes estilos arquitetônicos, indicando um grande domínio do ofício”, avalia, mencionando que o arquiteto deixou obras em estilo eclético, como a antiga Secretária de Estado da Segurança Pública, de 1930, que abriga hoje o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB BH), na Praça da Liberdade. Já seguindo o traço do movimento Art Decó, que vem para superar o padrão do ecletismo, substituindo suas cúpulas em forma de bulbo e hemisféricas por linhas que permitiam alcançar uma escala maior, possibilitando a verticalização da cidade, Signorelli projetou o antigo Clube Belo Horizonte, atual Museu Inimá de Paula, na rua da Bahia, também na década de 30.
E Signorelli ainda chega a fazer projetos modernistas, caracterizados por abrir mão de ornamentos, com a forma servindo à função. Um dos exemplares dessa vertente com do ítalo-brasileiro é o antigo Teatro de Emergência, atual Teatro Francisco Nunes, de 1947, localizado no Parque Municipal.
Mais uma contribuição de Signorelli foi trazer para Belo Horizonte o arquiteto italiano Raffaello Berti, que formado em seu país de origem, iniciou sua trajetória profissional no Brasil em 1922, no Rio de Janeiro, antes de se estabelecer na capital mineira – onde desenhou, por exemplo, a Santa Casa da Misericórdia, no bairro Santa Efigênia, em 1941. “Em estilo Art Decó, as dimensões do prédio, à época o maior hospital do país, estavam em sintonia com as pretensões da cidade, que ava a ser um polo, à medida que o eixo econômico se deslocava para cá”, avalia. Já o edifício que pertenceu ao Banco de Minas Gerais, que sedia hoje a Belotur, nas imediações da Praça Sete, foi projetado por ele em 1938, sendo considerado um exemplo de arquitetura protomoderna.
Além dos trabalhos solo, Signorelli e Berti também am projetos conjuntamente. Caso da sede social do Minas Tênis Clube, obra de 1940, e do antigo Palácio da Municipalidade, atual Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, construído em 1937. “Podemos notar, mais uma vez, que esses prédios atendiam a um projeto de urbanidade, sendo espaços pensados para abrigar clubes sociais ou instituições do poder político e econômico”, salienta.
Primeira escola do país
Ulisses Morato, professor e pesquisador, ressalta que, mais do que no exercício do ofício em si, muitos desses personagens de origem ou ascendência italiana contribuíram para a sistematização do ensino de arquitetura em Belo Horizonte.
“Luiz Signorelli, Raffaello Berti e Octaviano Lapertosa fizeram parte do grupo de intelectuais por trás da fundação, em agosto de 1930, da Escola de Arquitetura, considerada a primeira do tipo em toda a América do Sul”, informa Morato, detalhando que, até então, não existiam instituições inteiramente dedicadas à formação em arquitetura, apenas cursos vinculados às escolas de belas-artes. “O Signorelli foi, inclusive, diretor do lugar”, complementa.
O trio, aliás, é homenageado dando nome a vias públicas de Belo Horizonte e da região metropolitana. No bairro Mangabeiras, na região Centro-Sul da capital, fica a rua Arquiteto Raffaello Berti; no bairro Cruzeiro, na mesma região, a rua Luiz Signorelli; e no Vista Alegre, em Lagoa Santa, na região metropolitana de BH, a rua Octaviano Lapertosa.
LISTAS DE OBRAS DE ARQUITETOS ITALIANOS OU ÍTALO-BRASILEIROS EM VÁRIOS ESTILOS ESPALHADAS POR BH:
Luiz Olivieri (italiano)
Obras em estilo eclético
1. Antiga Estação Ferroviária Central do Brasil (1922), atual Museu de Artes e ofícios. Praça da Estação.
2. Antigo Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais (1922), atual Unidade de Atendimento Integrado (UAI). Praça Sete.
3. Antigo Grupo Escolar Barão do Rio Branco (1913), Atual E.E. Barão do Rio Branco. Av. Getúlio Vargas, n. 1059.
4. Palacete Dantas (1915). Praça da Liberdade.
OCTAVIANO LAPERTOSA (italiano)
Obras em estilo eclético
1. Antiga Residência Antônio Augusto Veloso (1916), atual Idea Casa de Cultura | R. Bernardo Guimarães, 1200. Casa onde residiu o escritor modernista Cyro dos Anjos.
2. Casa Falci (1920). Av. Afonso Pena, n. 505;
JOSÉ LAPERTOSA (italiano)
Obras em estilo eclético
1. Antigo Palacete Márcio Alves Ferreira (1912), atual Associação Feminina de Assistência Social da PMMG. Rua Sergipe esq. com Santa Rita Durão
2. Antiga Casa de Afonso Pena Junior (1913), atual Casa Una Anima Lab. Rua dos Aimorés, 1451.
LUIZ SIGNORELLI (ítalo-descendente)
Obras em estio eclético
1. Antiga Secretária de Estado da Segurança Pública (1930), atual CCBB. Praça da Liberdade.
2. Automóvel Clube de Minas Gerais (1929). Av. Afonso Pena, esq. com Av. Álvares Cabral
Obra em estilo Art Decó
3. Antigo Clube Belo Horizonte (1930), atual Museu Inimá de Paula. Rua da Bahia;
Obra em estilo moderno
4. Antigo Teatro de Emergência (1947), Atual Teatro Francisco Nunes. Parque Municipal.
RAFFAELLO BERTI (italiano)
Obras em estilo Art Decó
1. Hospital Santa Casa de Misericórdia (1941), Av. Francisco Sales, n. 1111;
2. Maternidade Odete Valadares (1944), Av. do Contorno.
Obras em estilo protomoderno
3. Ed. Walmap, Antigo Banco Nacional de Minas Gerais (1949) | Rua dos Carijós, esq. com Espírito Santo
4. Banco de Minas Gerais (1938), atual Belotur, Rua Espírito Santo, esq. com Carijós.
RAFFAELLO BERTI + LUIZ SIGNORELLI
Obras em estilo Art Decó
1. Sede social do Minas Tênis Clube (1940), Rua da Bahia, esquina com Rua Prof. Antônio Aleixo;
2. Antigo Palácio da Municipalidade (1937), atual Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Av. Afonso Pena
ROMEO DE PAOLI (ítalo-descendente)
Obras em estilo Art Decó
1. Colégio Santo Agostinho (1936), esquina de Araguari, Amazonas e Aimorés.
2. Hotel Metrópole (1939), Rua da Bahia, esq. com Goiás;
3. Edifício Piraquara (1938) | Esquina de Tupinambás com R. Curitiba
4. Casa R. Alvarenga Peixoto (1936), n. 425 | Imóvel tombado