Depois de um fim de semana atribulado de eventos e compromissos de trabalho, uma segunda-feira de folga. Suposta folga. Prestes a estrear a turnê de um novo espetáculo – “Sob Medida: Nany Canta Fafá”, nesta sexta-feira (14), às 21h, no Cine Theatro Brasil Vallourec –, Nany People encaixa no “tempo livre” provas de roupa e acertos necessários para entregar com máxima impecabilidade mais um projeto.
Nesta entrevista a O TEMPO, ela fala sobre sua trajetória no teatro, a influência de suas “musas” (entre elas Fafá de Belém, homenageada no novo show), os próximos os no cinema, a liberdade que o trabalho lhe proporciona e como “uma coisa levou a outra” na construção do novo espetáculo.
Como a música entrou na sua vida?
Eu sou mineira, nasci em Machado, fui criada em Serrania e Poços de Caldas. Tem gente que é do interior e nem fala que é de lá, parece que a vida começou quando pisou na cidade grande. Eu faço questão de dizer de onde eu sou. E pouca gente sabe que a minha vida artística começou cantando, comecei com 4 anos cantando em quermesse. Então a música me levou para o palco, o palco me levou para o teatro, e o teatro me levou pra vida. Quando eu me mudei para Poços de Caldas, eu cantei no Chacrinha, depois cantei de novo na caravana do Chacrinha, aí ganhei uma bolsa de estudo para estudar canto no conservatório de música e, indo para as aulas de canto, comecei a cantar em casamento. E aí descobri o teatro, minha mãe me matriculou aos 10 anos.
E nunca mais você deixou o teatro.
Veja bem: fazer teatro todo mundo faz, né, todo mundo vai ar pelo teatro uma vez ou outra, no catecismo, no grupo de escoteiros, no grupo de jovens ou na escola. Infelizmente, não se consome teatro, não se tem hábito de teatro, principalmente no interior; o interior do Brasil não vê teatro. Teatro é a última instância. Pessoal nasce na festa de peão de boiadeiro, mas nunca entrou no teatro porque acha chato. E não é porque é elitizado, às vezes tem teatro de graça numa praça e não vai, pessoal não tem hábito. Cultura é hábito, teatro é hábito. Se você vai a São Paulo, por exemplo, tem escolas que têm o hábito de levar a criança para ver teatro. Trabalhei por dez anos no Teatro Paiol, em São Paulo, tinha formação de plateia. Você incute na criança o hábito de ir ao teatro. Mas aí é uma coisa que eu optei de viver para a profissão, que na nossa região não é tão vista assim. Mas, graças a Deus, eu comecei no teatro aos 10 anos e não parei nunca mais, estou há 48 anos no palco, graças a Deus.
Você já deu diversas declarações apontando Rogéria, Hebe, Lilia Cabral e Fafá de Belém, além de sua mãe, como suas musas. Essas quatro artistas te inspiraram e você teve oportunidade de trabalhar com todas elas, inclusive se tornou amiga de todas elas.
Foi lançado um documentário sobre o Paulo Gustavo recentemente (“Filho da Mãe”, 2022), e nele a Mônica Martelli tem uma fala muito pertinente: as pessoas são energia. Você vai andando pela vida, você vai encontrando gente, esbarrando em gente, vai encontrando pessoas, cruzando com pessoas, todo mundo que a pela sua vida deixa um pouco, mas é temporário, tudo é temporário. Se você olhar bem seriamente o que elas têm em comum, todas essas mulheres, todas elas foram à frente do seu tempo, todas elas são mulheres amazonas nos seus próprios galopes. Elas nunca beberam da fonte de ninguém, fizeram o seu próprio caminho e fizeram isso correndo contra um monte de leitura, de modismos, cada uma na sua época, época em que não era dado à mulher o direito de fazer o que elas fizeram. Todas elas fizeram do teatro, da carreira artística e do seu trabalho a sua entrega, e para isso abriram mão de um monte de coisas. A Lilia (Cabral) teve um problema sério, seriíssimo, pessoal, com o pai e com a mãe, os pais não aceitaram, pai morrendo inimigo dela. A Rogéria, pela condição dela como primeira trans a brilhar internacionalmente no Brasil, num tempo de ditadura, em 1965 ou 64. Ela tinha um programa lá na TV Excelsior, que se chamava “Quem Tem Medo de Rogéria”, só que 50 anos atrás, 60 anos atrás. A Hebe foi muito avante do seu tempo. Minha mãe ousou namorar e casar com um homem negro, nos anos 50, num tempo que toda cidade do interior de Minas Gerais era um apartheid natural, tinha uma cidade pro branco e outra pro preto. A cidade em que eu fui criada, Serrania, tinha clube de branco e clube de preto. E a Fafá, quando se lançou como cantora, era um tempo em que as mulheres estavam todas gostosas, rebolando e tal… e ela cantando descalça, fora do padrão de beleza, que a mulher tinha que ser gostosa, ter cinturinha… Não, ela era cheinha, já tinha um peitão. Quer dizer, ela não era o padrão dito como padrão de consumo do mundo pop. Então, se você olhar bem essas mulheres, todas eram mulheres avante no tempo, de nadar contra a corrente. Eu acho que isso já me serviu de estímulo, pela coragem delas, pela dedicação delas. E mais uma coisa: elas abraçaram com toda força a comunidade LGBTQIAPN+, antes de isso ser moda ou cota de inclusão, todas elas. São mulheres que foram muito adiante do que a sociedade ditava como regra. Eu acho que, quando você se empodera dessas mulheres, você vai bebendo desses ensinamentos delas.
E como vocês se encontraram?
Acho que existe uma força maior. Nós nos encontramos na própria carreira artística, no próprio teatro. Sobre a Hebe, eu ainda era criança e falava com a minha mãe: “Um dia ainda vou me sentar naquele sofá”. Um dia eu fiz uma matéria para a (revista) “Marie Clarie”, em 1998, e ela (Hebe) me chamou, eu perguntei: “Posso mandar um beijo pra minha mãe?”. E mandei pra ela: “Mãe, tô no sofá da Hebe!”. A Fafá eu sempre irei muito, já falei sobre isso em entrevistas. Em 2016, eu estava com um espetáculo, no Teatro J. Safra, e no show eu cantava uma música dela, “Meu Coração É Brega”. Na época, eu estava perdendo um cachorro querido, muito triste. Um amigo meu ligou para a assessoria dela perguntando se a Fafá podia gravar um vídeo para mim, e ela fez uma coisa sem eu saber, ela falou “Eu vou lá!”. Quando eu comecei a cantar, essa mulher entra pela coxia… meu amor, Nossa Senhora! Eu tive um surto, né, eu “joguei a periquita no Wi-Fi”! Mas, pra resumir, essas pessoas acho que me encontraram pela força do pensamento. A Lilia agora está gravando a novela “Fuzuê” (novela das sete que deve estrear em agosto). Me ligaram para fazer uma participação, e já começa no primeiro capítulo – eu faço uma curadora. Aí nós gravamos, faltava umas semanas para o meu aniversário (que foi em 1º de julho), e ela me convidou para tomar um café. Fomos tomar um lanche numa cafeteria supercharmosa perto da casa dela. Era pra ser um café, saímos de lá às 21h. Então, resumindo, essa coisa de a criatura se aproximar do seu criador, acho que é por Deus, sabe?
Até antes de conhecer a Fafá de Belém, você já falava da influência dela no seu desenvolvimento artístico, contou que dublava a Fafá cantando “Emoriô” com pano de prato na cabeça, que toda vez que você volta para Poços de Caldas você canta “Coração do Agreste”... É claro que uma artista como Fafá de Belém não precisa de pretexto para receber homenagem, mas para você, especificamente, a Fafá de Belém é uma musa. Como surgiu essa ideia de fazer o show e de ter a participação dela, de contar com ela para a escolha do repertório?
Uma coisa leva a outra. Meu reencontro com a música aconteceu em 2019, no “Popstar” (competição de canto entre artistas, da TV Globo). E aí a música começou a ficar mais frequente na minha vida. Então eu planejei um show que se chamava “Nani É Pop”, em que cada música era um estágio da água – sólido, líquido e gasoso –, e cada estágio é um estado emocional. Eu ia estrear o show em 2020, veio a pandemia e adiou em dois anos esse projeto. Nisso tudo, eu fazendo festivais de humor por aí, encontrei várias vezes o Patrick Maia, que tem uma banda chamada Banda Que Nunca se Viu e uma casa de humor alternativo em São Paulo chamada Clube do Minhoca, onde toda segunda ele faz uma live chamada “O Baile”. Ele vivia me chamando pra fazer, e eu sempre desviando, agradecendo e tal. Até que um dia a gente se encontrou no Paraná, num festival de teatro, e ele falou: “Tia, vamos fazer!”. Casualmente, eu estava falando com o Marcos (Guimarães, produtor), e aí já falei com o Patrick: “Então fala pro Marcos!”. Para encurtar a história, toda essa projeção de fazer esses shows musicais de grande porte vem do Marcos Guimarães. Eu não teria tempo de poder fazer tudo isso, entendeu? Eu não tenho tempo nem espaço para fazer isso aí. A live que seria pequenininha pro Minhoca virou uma live no TikTok. Aí eu tive a ideia de convidar alguma pessoa, e chegamos à Luiza Possi. Aí ele teve a ideia de fazer o show no Teatro Gazeta em pleno janeiro (de 2023), São Paulo de férias, de ressaca; fizemos, com a banda ao vivo, “Nany (En)canta”. Foi maravilhoso! Aí decidimos repetir a dose em março, a Fafá estava no Brasil, decidi convidar a Fafá, já era minha amiga. No dia seguinte desse encontro no palco, cantando com a Fafá de novo, o Marcos Guimarães me disse: “Nany, você gosta tanto dela. Vamos fazer um show com você homenageando a Fafá?”. Eu topei! E a coisa foi tão visceral que eu fiz o show na quinta, na sexta eu tive que viajar para o Navio da Xuxa. Lá em alto-mar eu fiz a relação (de músicas do repertório), mandei para a Fafá e disse: “Fafá, quero fazer um show homenageando você, quero pôr essas músicas”. Ela falou: “Nossa, tem música aí que eu nem lembrava mais!”. Ela aprovou todas e sugeriu algumas. Liguei pro Marcos e falei que íamos fazer, começando por Belo Horizonte, capital do meu Estado. Pouca gente sabe que eu sou mineira, tenho até tatuado nas costas “Made in Poços de Caldas” – até falo que “o pessoal que come sabe de onde é o produto que estão consumindo”. Então, na verdade, essa coisa com a música nada mais é que um reencontro, porque, querendo ou não, a música é a matéria-prima mais importante dos nossos sentidos. A música tem essa capacidade de dizer coisas que a gente, pela palavra e pelo gesto, às vezes não consegue dizer. A música diz muito mais, porque a música é universal, tem uma linguagem universal. E eu não sou cantora, eu sou uma atriz que canta. O canto é uma maneira a mais que eu tenho de exercer minha capacidade de criação. E eu adoro muito cantar a Fafá porque ela diz coisas que norteiam minha vida, eu sempre norteei minha vida pelas músicas dela, eu acordo ouvindo Fafá e me deito ouvindo Fafá.
E o show, além das músicas, vai ter história, humor…
Vai ter tudo! O Marcos fez um clipe de “Coração do Agreste” para ar durante o show, mas eu não posso ver enquanto canto, porque senão eu choro. Ou eu canto, ou eu choro. Esse clipe vai ter uma imagem panorâmica de Serrania. Isso é o que o público pode esperar, então, desse show. E, além da música, o povo pode esperar o encontro de muitas emoções consigo mesmo, porque eu tenho certeza que todo mundo que vai assistir ao show teve algum momento da sua vida que foi norteado pelas músicas da Fafá, que vão de “Meu Homem” a “Bandoleiro”. Vai do sagrado ao profano, da paixão à “cachorrada”. Vai ser um show emocionante, vai ser um show divertido, vai ser um show que você vai também celebrar momentos da sua vida. O show também é muito visual, vai ter projeções que ajudam a contar essas histórias através da música. É uma produção muito bem acabada. As pessoas vão cantar junto, tenho certeza.
E o show vai rodar o Brasil todo?
Pretendemos. E eu estou muito contente porque o show está sendo recebido de peito aberto por todo mundo, o show mal estava pronto e as pessoas já queriam comprar o show. Por isso que nós devemos agradecer a Deus pelo controle de qualidade que existe na nossa vida.
Além dos palcos, você também tem trabalhado bastante no cinema.
Eu tenho três filmes estreando em três meses. Estreei no mês ado “Barraco de Família”, com Cacau Protásio e Sandra de Sá. Estou lançando neste mês (já nos cinemas) “Um Dia 5 Estrelas”, com Estevam Nabote e Danielle Winits. E em agosto lança-se um que eu fiz em 2018, chamado “Vai Ter Troco”, com Evelyn Castro, Marcos Veras e Miá Mello. Tem também um que deve ser lançado em outubro ou novembro, que é “De Repente, Miss”, e tem mais uma participação no filme do Otaviano Costa, que eu gravei agora, que é para o ano que vem. Então, quer dizer, tem quatro ou cinco filmes saindo por aí, entendeu? Tô plantando muitas sementinhas por aí.
O público ainda se surpreende quando te vê fazendo alguma coisa que não seja voltada ao humor?
No show, especificamente, o que eu acho que as pessoas mais se assustam é que meu registro vocal é muito potente e muito similar (ao da Fafá), eu tenho ouvido muito bom, eu canto muito no tom dela. Claro que eu não canto como ela, na altura que ela canta, senão perco a voz fácil. Mas não só o público. Eu cantei no programa do Serginho Groisman (“Altas Horas”, da Globo) outro dia, por exemplo, e um amigo produtor me ligou dizendo que o pai dele falou com ele: “Você viu como ela canta? Você sabia que ela canta assim?”. E outra coisa que o pessoal se assusta, quando me vê fazendo filme, fala: “Mas a Nany é atriz?”. As pessoas muitas vezes não sabem da minha formação, não sabem da minha fundamentação, não sabem que eu fiz Unicamp, não sabem que eu fiz Teatro Escola Macunaíma, que eu trabalhei por dez anos no Teatro Paiol. O pessoal acha que eu fiz um personagem como drag queen, que eu fui uma época da minha vida, por uns 15 anos, acham que eu peguei carona e “saí do Kinder Ovo” dublando “I Will Survive”. Quando eu fui chamada para fazer o “Vai Ter Troco”, na leitura, os diretores falaram pra mim: “A senhora sabe que não vai ficar assim o tempo todo não, né? O personagem é bem diferente”. Porque a preocupação deles era eu não querer descer do salto, entendeu? Mesmo eles não sabiam da minha formação.
Você está no teatro, no cinema, na TV e no streaming, também é repórter, comentarista, jurada de show de calouros, participante de reality, escritora. Existe algum risco artisticamente que você não corra de jeito nenhum?
Todos nós corremos riscos o tempo todo. Esse projeto que eu estou fazendo da Fafá é um risco. O público têm mania de se autocondicionar a uma expectativa ou a um modus operandi que às vezes não é do artista o tempo todo. Por isso eu condicionei meu público a me ver de várias formas, porque eu quero ser essa metamorfose ambulante. As pessoas têm mania de colocar a gente em caixinha e lacrar, fechar rápido. Eu meti o pé nessas portas todas as vezes que tentaram me condicionar para ser uma só coisa. Eu sou mais que isso. A Fafá falou comigo: “Ninguém pode dizer para você qual é o seu limite, nem você sabe até que você tenha que provar”. A gente não pode se acomodar, porque a gente está acomodada com tudo, acomoda com amor meia-boca, com emprego meia-boca. Tudo na vida é fase. A gente faz o que precisa até poder fazer o que gosta. Eu queria viver de arte e hoje tenho esse privilégio.
Você falou, sobre essas mulheres que você considera como musas, que todas elas, em suas respectivas áreas, foram precursoras e romperam barreiras e adentraram lugares que muitas vezes não era permitido a elas. Você se enxerga, hoje, nessa posição?
Não, eu sinto que eu sobrevivi. Pra muita gente eu sou inspiração, pra muita gente eu sou transgressão. Quando eu falo em você não se deixar lacrar em caixinhas e expectativas, é até para o discurso de militância LGBTQIAPN+, por exemplo. Eu falo até que meu “T” na sigla é de “tiranossaura”. A minha militância é na minha vida, no meu dia a dia, desde que eu me conheço por gente, de ter sido uma criança afeminada. Tive a sorte de ter uma mãe que peitou uma sociedade por isso, peitou uma cidade do interior de Minas Gerais por isso. No terceiro dia de aula ela foi chamada pela diretora e disse: “O seu filho tem um problema”. Ela levantou e disse: “Não é um problema, é a condição dele. Cabe a mim, como mãe, e à senhora, como educadora, fazer dele a pessoa mais feliz do mundo”. E ela fez. Ela virou a mesa, foi atrás de deputado, e eu consegui uma coisa que ninguém tinha na época: bolsa de estudos. Eu fui a primeira bolsista do Colégio Pio XII (em Poços de Caldas), num tempo em que rico estudava em colégio de rico e pobre estudava em colégio de pobre. Não tinha cota de inclusão. E as pessoas ainda falam: “Pra você foi fácil”. Cheguei a São Paulo em 1985, no ápice da “peste gay”, e você não conseguia alugar apartamento por ser afeminada. Por isso que eu digo que sou uma sobrevivente. E aí é muito fácil as pessoas quererem que eu faça um discurso que eu não acredito. E eu não me presto a isso.
Inclusive no seu último show em Belo Horizonte (“TsuNany”, em outubro de 2022), em plena efervescência de ânimos em decorrência da eleição, você fechou o espetáculo falando de política, mas sem ser partidária ou panfletária. E a Fafá já falou sobre isso, inclusive numa entrevista a você no YouTube, que ela é de uma família de militantes políticos, mas nunca assumiu compromisso com partido, que o envolvimento dela com a política é de outra forma. Você se sente cobrada para assumir posicionamentos?
Eu não me sinto mais cobrada. Quando você faz 50 anos – eu fiz 58 –, você vive uma segunda puberdade. É um estágio como naquela música do Ivan Lins, “Daquilo que eu sei”: “Nem tudo me deu clareza/ (...) nem tudo me deu certeza/ (...) nem tudo foi permitido”. Então você entra em um estágio em que você não quer nem dar satisfação mais – você pode, mas não deve; você deve, mas não precisa. E eu não preciso dar satisfação. Em 2018, a Leda Nagle (jornalista) me perguntou: “O que um presidente precisa ter?”. Eu respondi: “Ficha limpa”. Então eu não tenho presidente, qual político tem ficha limpa? Mas aí as pessoas usam isso a seu favor – quem é de esquerda, usa contra a direita; quem é de direita, usa contra a esquerda. Eu não me deixo levar por isso porque eu não endosso nenhum partido, porque você acaba sendo fiador do que ele vai fazer. E eu acho que a maioria é oportunista. Então, se você entra numa de ser partidária, panfletária, você se a por idiota, porque a primeira coisa que o político prometer e não cumprir, eles vão cobrar de você, porque é você quem está ível, não o político. Então eu não caio nessa arapuca, não me presto a esse serviço.
E como é sua relação com a nova geração do humor?
É engraçado, hoje você tem uma rapaziada nova arrebatando milhões de plateia porque entraram nessa linguagem da internet, coisa que eu não fiz porque eu não quis e não soube. Essa linguagem não chegou até mim, e se eu pagasse alguém pra fazer não seria orgânico. Mas o que eu mais adoro nisso tudo é o respeito que eles têm comigo, um respeito muito grande. O Thiago Ventura (humorista), por exemplo – que é um querido, muito inteligente, muito culto, que tem formação, tem valor –, na pandemia me ligava quase todo dia e faz isso até hoje. Ele é como se fosse um afilhado. Então esse respeito, esse olhar que eles têm por mim, eu agradeço. Porque quando eles começaram a fazer, eu já estava aqui – e estou ainda, eu não saí de cena, eu continuo. E quando eles chegaram, eu já tinha conquistado, vamos dizer assim, um lugar no pódio. A muitos deles, eu dei a mão: Victor Sarro, Bruno Motta. Tem uma coisa que eu aprendi com a minha mãe e com a mãe da Cinderella: “Tenha coragem e seja gentil. Onde existe gentileza, existe magia”. Mas eu me divirto muito com eles. E eu também cobro muito eles de não deixarem “subir pra cabeça” porque têm milhões de seguidores. E, também, o novo sempre vem. É muito bom você conviver com pessoas jovens porque você se inspira em coisas novas, se atualiza. A gente nunca é, a gente está. Por isso a gente precisa estar sempre consciente de que é essa “massa de criação”, que está sempre em movimento, sempre sendo moldada. A gente nunca é uma peça feita. Por isso é importante não ficar preso numa bolha, por isso é importante voltar para o interior ouvindo “Coração do Agreste”.
Você recentemente publicou um vídeo do Pepe Mujica (ex-presidente do Uruguai) dizendo que só existe liberdade quando a gente trabalha fazendo o que gosta. Sob essa perspectiva, você é livre?
Eu me sinto totalmente livre. Quando você trabalha com entretenimento, você não descansa. Quando você não está em cena, você está produzindo. Mas eu escolhi me dedicar ao teatro, eu escolhi me dedicar à minha carreira, e para isso eu abri mão de muitas coisas, abri mão até de relacionamento pessoal, mas eu escolhi conscientemente. Logo que eu estava começando a entender o teatro, eu conheci um amor muito grande e fiquei enlouquecida. Um dia minha mãe me falou: “Você fez uma coisa que poucas pessoas da nossa região têm coragem de fazer. Você saiu com pouco recurso que tinha e foi para a cidade grande atrás de um sonho, e muita gente até hoje nem entende o que está fazendo no teatro. Você está começando a colher agora, depois de sete anos em São Paulo, uma safra de coisas muito boas que você está plantando. Então, vou te falar agora uma coisa que eu ouvi uma vez Bette Davis falar: quem se dedica a uma carreira não tem tempo para se dedicar a este tipo de relacionamento no qual você está entrando”. E acho que isso ficou tão forte em mim que eu abdiquei de tudo em função da carreira. O teatro vem sempre na frente. Não quer dizer que eu esteja sozinha o tempo todo. Eu só não caso, eu me acasalo. Quando eu vejo que está ficando muito sério, eu falo “hasta la vista, baby”. Eu não abro mão de um espetáculo para ter um compromisso amoroso. Mas, na boa, todo mundo já sabe. Então isso para mim não é chatíssimo, não é uma coisa que eu faço de cara feia, não. Quando se fala “dedique altares para os seus sonhos”, é muito bom você fazer isso, porque a vida a muito rápido, e a gente a mais tempo da vida conjecturando uma garantia de felicidade que não vai acontecer que sendo feliz. A gente fica esperando o ideal para se dedicar, e o ideal não existe. O ideal é uma circunstância que acontece, muitas vezes, sem você saber que vai acontecer. Enquanto esse seu sentido de plenitude não chega, você vai fazendo com que aconteçam coisas. Isso vale pra tudo na vida. Mas eu tenho a felicidade de ter me encontrado numa carreira que pra mim é a plenitude do meu estado de ser. Eu vou feliz. É bem a música do Cazuza, “Pro Dia Nascer Feliz”: “Essa é a vida que eu quis”. Então, dou graças a Deus.