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Gilberto Gil reflete sobre a simultaneidade do tempo com histórica turnê de despedida
Artista baiano anunciou em coletiva de imprensa sua última grande temporada pelos palcos do país, com parada em BH em junho de 2025
Gilberto Gil não se gaba de ter uma memória prodigiosa. Apesar disso, há lembranças que nunca o deixaram. Sem precisar a data, ele se recorda da vez que peregrinava com sua equipe de músicos em uma turnê pela França, quando pararam numa estação perto de Bandol, pequena comuna localizada nas proximidades de Nice, para descarregarem caixotes repletos de instrumentos.
Gil se incumbiu do mais pesado, que continha em seu interior nada menos do que um piano de cauda. O mais dramático é que o trem só permaneceria parado naquela estação pelo tempo exato de dois minutos. “Tenho a impressão de que o maquinista demorou um tempinho a mais, e conseguimos descarregar tudo”, festeja Gil, com a mesma excitação da época, quando se sentiu “feliz como uma criança”. “Ali eu era, literalmente, um carregador de piano”.
A gargalhada saborosa que sucede a última resposta não combina, em tese, com o clima de despedida. Nesta terça (6), Gil convocou uma coletiva de imprensa para anunciar a derradeira turnê grandiosa dos palcos – apresentações esporádicas em lugares menores seguem em aberto –, que vai percorrer diversas capitais do Brasil e também ar pelo exterior a partir de 2025.
A estreia está prevista para a Arena Fonte Nova, em Salvador, na Bahia, no dia 15 de março. Em Belo Horizonte, a apresentação acontece no dia 14 de junho, na Arena MRV. A pré-venda de ingressos para clientes Banco do Brasil se inicia a partir das 10h de 19 de agosto, no site da Eventim, e, no dia 22, às 12h, será aberta a venda para o público geral.
Coroamento de décadas de estrada
A turnê foi intitulada, perspicazmente, de “Tempo Rei”, canção lançada em 1984, no álbum “Raça Humana”, que, para além de se converter em hit incontornável da carreira do astro, transformou-se em espécie de hino existencialista sobre a agem do tempo, citada desde filósofos até líderes religiosos.
“O tempo é a palavra que criamos para falar desse mistério, ele a e não a”, alicerça Gil, ele próprio detentor de uma filosofia e uma religiosidade particulares, que espalhou através da música ao longo de quase sete décadas ininterruptamente. O primeiro LP, “Louvação”, foi lançado em 1967, e já continha futuros clássicos da música popular brasileira, como a faixa-título, parceria com o poeta Torquato Neto (1944-1972), “Viramundo”, com Capinam, e “Procissão”, feita com Edy Star.
Mas, para quem desconfia, ou, de fato, não acredita na tal linearidade do tempo, essas considerações pouco importam. “Nunca acabamos de preparar o que tem que ser feito. Existe uma simultaneidade das coisas. Tudo é ‘sim’ e ‘não’ ao mesmo tempo. Hoje é igual ao que era 50 anos atrás, mas também é muito diferente”, elabora Gil, com sua verve característica.
Apesar disso, ele ite que vai sentir falta da reverberação que o palco propicia, o que exemplifica imitando os gritos das “netas das avós” que são suas fãs, como ele se acostumou a ouvir por aí em tempos tão presentes quanto imemoriais.
“Permanece esse gosto pelo fazer musical e também uma resposta positiva do público, que houve desde o primeiro momento, com gerações de avós, mães e filhas que apreciam o meu trabalho até hoje”, constata. Abordada explicitamente em “Palco”, outro sucesso atemporal, de 1981, a relação com o local onde ele pisou durante praticamente toda a existência sempre foi sinônimo de conexão para Gil.
Encontros e despedidas
“O palco me ensinou o deleite, primeiro, do encontro com a minha própria música, depois com os músicos em suas várias dimensões, e, por fim, com o público. O tempo foi muito bondoso comigo”, agradece esse ancião de espírito nagô e alma infantil, como ele mesmo diz. “Fui ficando mais velho e percebendo o quanto infantojuvenil eu ainda sou, e acho que vou permanecer assim até o fim da vida, com essa alegria meio acanhada”, sugere.
Para a decisão de interromper a intensa rotina de apresentações pesou o desgaste das “viagens de aviões, trens, ônibus, carros, navios”, enumera. “Há muito tempo venho pensando em desocupar meu tempo, no sentido mais convencional da palavra. Já são quase 70 anos de carreira, então é um bocado de tempo. O amadurecimento para decidir que esse ciclo todo chegaria a um final, foi uma decisão do próprio ar do tempo, que foi nos convencendo de que era preciso chegar uma hora e dizer: ‘chega de tanta correria por aí’”, justifica Gil, ecoando versos de “Cada Tempo em Seu Lugar”, lançada em 1989, não por acaso no álbum “O Eterno Deus Mu Dança”, com óbvio trocadilho no título.
Dessa maneira, Gil segue trilha semelhante à de Milton Nascimento, companheiro de geração que, em 2022, se despediu dos palcos. Ele espera que o desenlace seja “no padrão histórico da minha relação com o palco”, sempre mediada pela “obsessão da preparação de tudo, de gostar de ensaiar”.
“Correm várias lendas a meu respeito no meio musical, e uma delas é que cada ensaio meu é um show. Estar no palco traz sempre um pouco de nervosismo na hora de entrar, especialmente em estreias, mas tudo sempre começou bem e terminou relativamente bem também”, graceja.
O último ato terá início em Salvador, onde, afinal, “tudo começou”. Outra certeza de Gil, habilidoso cultor das dúvidas, é que, “aos 82 anos, já fica mais difícil carregar o piano”. Porém, outra certeza se impõe. “Tudo é leve e pesado ao mesmo tempo”, finaliza Gil.