Em primeiro lugar, é bom alertar que Alecrim, o cativante chef e migrante nordestino que vai parar na cadeia em “Estômago” (2007), não é protagonista da continuação que leva o subtítulo “O Poderoso Chef” e entra em cartaz a partir de hoje nos cinemas.
Vivido por João Miguel, que construiu um personagem bastante rico no filme anterior, num registro entre o humor e o drama, Alecrim agora é – para ficarmos no vocabulário gastronômico – um mero aperitivo, cuja única função é promover o alívio cômico.
É um personagem unidimensional, sem qualquer dado novo além de ser o provedor de deliciosos quitutes num presídio, caminho que o primeiro “Estômago” já apontava. Alecrim vira o elo entre duas facções criminosas, uma brasileira e outra italiana.
A primeira é comandada por Etecétera (Paulo Miklos, cada vez mais um ator consistente). A segunda, por Dom Caraglio (Nicola Siri). Esse último é o personagem que será plenamente desenvolvido pelo roteiro a partir de uma narrativa paralela em flashback.
Vamos conhecer as origens mafiosas dele na Itália, de como virou um dono de restaurante dedicado à comida brasileira para se transformar num capo, enquanto acompanhamos a briga pelo poder no presídio brasileiro – a começar pela disputa por Alecrim.
O nordestino, numa flagrante submissão terceiromundista pelo o que vem da Europa, tende à ala dos italianos, simbólica de algo novo naquela rotina, especialmente no que diz respeito a um certo charme da língua e a boa mão de Caraglio na cozinha.
O que está por trás desse conflito entre culturas diferentes? Confrontar as peculiaridades da organização criminosa brasileira com uma “marca” tipo exportação celebrada em filmes sobre famílias comandadas por capos (como o subtítulo faz questão de emular)?
Há algumas boas gags quando o filme se detém nessas comparações, entre o que seria a violência improvisada (brasileira, claro) e outra mais profissionalizada. Mas não é, definitivamente, o foco da narrativa, que se dedica a contar a história de ascensão de Caraglio.
O ex-Titãs Miklos rouba a cena nas vezes em que aparece, gerando uma empatia que Siri só arranca pela força da história, quando Caraglio tenta salvar a pele após se envolver com a filha de chefe mafioso e virar persona non grata entre os comparsas mais antigos.
O conflito entre facções no presídio poderia ganhar uma narrativa em que também pudéssemos acompanhar a trajetória de Etecétera, com esse paralelismo sendo o motor da história, de forma a amarrar melhor as brincadeiras sobre as diferenças culturais.
Um bom exemplo disso é a partida de futebol que remete à derrota brasileira em Sarriá, na Copa do Mundo da Espanha, em 1982, quando o Brasil perdeu por 3 a 2, com três gols de Paolo Rossi. O texto soube reavivar muito bem todos aqueles sentimentos, moldando-os àquela realidade do presídio.
Mas “Estômago 2 – O Poderoso Chef”, que tem coprodução italiana, deixa evidente o interesse maior no que acontece além do Atlântico, permitindo-se um leve tempero brasileiro a um prato que os próprios italianos já dominam como poucos.