Com a sensação de que precisava mudar de ares devido aos ventos políticos, Yara de Novaes pediu um conselho a Débora Falabella – amiga de longa data, sócia no Grupo 3 de Teatro e também de origem mineira - sobre o que fazer. Ganhou como resposta uma palavrinha mágica: audiovisual. Foi assim que o que era apenas uma atividade ocasional pôs a atriz de 59 anos, em pouco tempo, entre os grandes nomes do cinema, ao conquistar o prêmio da categoria no Festival do Rio, no último dia 14, pelo filme “Malu”.

A reportagem de O TEMPO conversou com Yara um dia após receber o troféu, ainda sob os efeitos da premiação, quando lembrou a mudança de chave que a fez receber o convite para viver o papel de Malu Rocha, inspirada numa personagem real – a atriz Malu Rocha, mãe do diretor. “Eu dava aula num curso de Direito e subia a escada com taquicardia, porque sabia que o teatro que tinha para dar às pessoas não iria acontecer ali. Era uma turma muito de extrema direita, com pensamento muito contrário”, recorda.

“Foi o momento em que falei com a Debinha: ‘Não sei o que fazer, porque tenho que dar conta da minha vida profissional’.  Ela sugeriu pedir uma licença e para eu me abrir para o audiovisual”. Foi o que eu fiz e as coisas começaram a rolar”, conta Yara, que irá acompanhar uma exibição especial de “Malu” nesta terça-feira (22), às 20h30, no Cine Belas Artes. É o primeiro retorno à cidade natal na nova  condição de laureada numa arte que, até pouco tempo, não fazia muita questão de enveredar.

“Durante muito tempo eu tive uma escolha muito exclusiva pelo teatro mesmo, sendo, inclusive, professora”, confessa Yara, que, na última semana, também recebeu muitos parabéns e flores durante a projeção do filme na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, na cidade que ela adotou para viver. “Acho que era a possibilidade que eu tinha, de alguma maneira, de construir uma vida profissional em que eu pudesse ser dona dela também”, diz, ao explicar sua escolha.

“Muito cedo, com 19, 20 anos, eu fui chamada para fazer um teste na Globo e, nesta época, eu estava fazendo ‘Ciranda de Pedra’, com direção do Kalluh Araújo, uma adaptação muito bonita da Lygia Fagundes. Quando eu cheguei ao Rio para fazer, tive que preencher uma ficha em que ali eles me colocavam como um tipo, se era protagonista ou não, como se tivessem me enquadrando, Aquilo me incomodou tanto, porque era exatamente o contrário do que eu sentia fazendo teatro, em que eu vivia uma liberdade tão grande”, registra.

Yara de Novaes ou no teste da emissora carioca, que, veio a saber depois, era para participar de uma oficina de atores. “Preferi voltar para Belo Horizonte, porque eu estava fazendo uma peça maravilhosa. Quando comecei a trabalhar com o Kalluh, ei a perceber que o teatro poderia ser uma coisa completamente diferente do que eu tinha pensado até então.  Era um lugar em que eu podia ser tanta coisa e que me salvou. Era um lugar em que eu podia ser eu quem eu quisesse, do jeito que eu quisesse".

E assim ela foi “ficando, ficando”, revezando-se como atriz, diretora e professora por muito tempo. Não que deixasse de fazer algumas investidas na sétima arte, especialmente em parceria com Rafael Conde, “um diretor maravilhoso”. “Cheguei a fazer algumas coisas sim, sempre numa relação parcimoniosa. Até o momento em que começou a surgir toda essa extrema-direita no Brasil”, sublinha Yara, ao comentar a decisão de abandonar momentaneamente o lado professora.

A nova etapa da carreira é encarada com bastante humildade, até por saber muito bem que teatro e audiovisual são duas linguagens distintas.  “Eu tenho aprendido muito. Trouxe a bagagem que o teatro me dá. Mas ainda sinto que estou num total aprendizado, sem saber às vezes onde está a câmera. Estava fazendo agora uma série, ‘A Praia dos Ossos’, com a Marjorie Estiano, e ela me alertava: ‘Yara, a câmera está ali’. Graças a Deus, eu tenho tido parceiros e parceiras de cena muito generosos comigo”.

Com “Malu”, a atriz mineira entrou num universo que conhece bem e enriqueceu ainda mais o papel – depois de ter tido as portas fechadas na TV, por ter enfrentado um diretor que a assediava sexualmente, Malu se dedicou totalmente ao teatro.  “O Pedro fez um processo em que o teatro é o princípio de tudo. Não é à toa que ele nos escolheu para estar ali”, citando Carol Duarte e Juliana Carneiro da Cunha, que vivem, respectivamente, filha e mãe de Malu, promovendo um complexo convívio familiar.

“Espero muito fazer mais cinema, que é esse lugar mais fragmentado, que às vezes parece um certo atletismo emocional, em que tenho que ter uma musculatura até maior que no teatro para conseguir estar no mesmo diapasão do que estava no take anterior. No caso da ‘Malu’ foi maravilhoso, porque o Pedro nos preparou três semanas. Ele colocou a gente numa sala de ensaio, dando o combustível que a gente conhece, uma metodologia que a gente conhecia, para depois ir para o cinema”, assinala.