Os os de quem vive da dança vão muito além de uma apresentação. Se em cima dos palcos, os bailarinos seguem uma coreografia bem ensaiada, com movimentos cronometrados de acordo com a melodia e espaços estritamente demarcados, na vida real, a dança é imprevisível . A busca por ‘segurança’ na profissão se assemelha à uma maratona, que se resume em correr atrás de audições, bolsas de estudo e oportunidades.“Todo bailarino que conheço está procurando trabalhos no exterior. A gente não é valorizado aqui”, conta o bailarino Jessé Ferreira, de 24 anos.

À procura de novas chances, Jessé assumiu a vocação de ser cidadão do mundo. A habilidade com os movimentos ritmados pelo corpo fez o artista, nascido em Minas Gerais, desbravar os palcos dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia. O talento se tornou um negócio, em que o segredo do sucesso é o chão da estrada. "Eu amo o palco. É muito legal ter esse contato com o público, visitar países e conhecer lugares que eu não conheceria se não fosse pelo meu trabalho. Eu quero muito crescer e não me vejo em outro lugar que não seja dançando ", conta.

Jessé encontrou no empreendedorismo nômade uma oportunidade de trabalho e sustento. O modelo, também chamado de itinerante, tem raízes no ado, quando os antigos mascates saíam às ruas oferecendo produtos a quem cruzasse os seus caminhos. Segundo a analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG), Márcia Machado, a tecnologia incorporou novas características a este tipo de negócio. Com ela, avançaram às vendas on-line e a possibilidade de ofertas de serviços sem a necessidade de um ponto fixo. 

O empreender de forma itinerante com auxílio da tecnologia, ainda de acordo com a especialista, permitiu oportunidades para atrair novos clientes e aumentar o faturamento. "Um psicólogo, por exemplo, consegue atender clientes de várias cidades. Não precisa ter um local, se limitando a um determinado público. Ele pode viajar o país e receber seus clientes em um espaço por meio de parceria. Isso é muito comum também na gastronomia, na arte, na educação e, principalmente, no setor da beleza", explica a analista do Sebrae-MG.. 

A pandemia foi uma virada de chave para o mercado da beleza e cosméticos, conforme estudos do setor. Um crescimento que se deu diante da preocupação das pessoas com a saúde e estética do corpo. Dados do Euromonitor International mostraram, em 2023, que o Brasil teve o 3º maior mercado consumidor do mundo neste setor, atrás apenas de Estados Unidos e China. A indústria brasileira de perfumaria, cosméticos e higiene também se destacou, exportando mais produtos do que importando.

Desde 2020, o Brasil exporta mais produtos de beleza e higiene pessoal do que importa

Minas Gerais acompanhou o desenvolvimento nacional no setor de beleza. De acordo com levantamento do Sebrae Minas, o número de negócios deste segmento ou de 4.140 em 2019 para 4.408 em 2022 — um crescimento de 6,47% durante os anos de crise sanitária. Em 2024, o saldo - abertura e fechamento de empresas - permaneceu positivo, com 2.766 negócios, o que indica o crescimento contínuo do setor.

MG cresceu no setor da beleza e estética durante a pandemia 

A clínica de estética da empresária mineira Amanda Caroline, de 34 anos, surge neste formato. Em 2020, ela decidiu deixar a área de contabilidade para empreender no setor da beleza, mercado que lhe deu a possibilidade de fazer uma transição na carreira. "O maior desafio desse trabalho é sair da nossa zona de conforto e encarar o desconhecido. Você vai para lugares de diferentes culturas e tem que se adaptar a isso. Ser uma pessoa adaptável faz toda a diferença nesse processo”, conta.

Amanda começou a trabalhar então com a remoção de tatuagens e de micropigmentação a laser em Belo Horizonte. O negócio expandiu e os serviços aram a conquistar clientes de outras cidades. O reconhecimento fez com que, além das técnicas, a empresária mineira começasse a oferecer também cursos no segmento da beleza. "Recebemos muitos alunos de outros estados e a gente viu que tinha muita demanda. Então decidimos levar o curso para São Paulo, porque é uma região de fácil o para outros estados", lembra.

Amanda Caroline ministra cursos na área da estética em Belo Horizonte e São Paulo- Foto: Arquivo Pessoal

Para a analista do Sebrae-MG, Márcia Machado, a possibilidade de uma pessoa transformar sua habilidade ou talento — como a dança de Jessé ou a técnica de Amanda —  é um dos pontos positivos do empreendedorismo nômade. Ainda segundo a especialista, esses empreendimentos geralmente demandam menor investimento inicial, o que pode ser atrativo para os empreendedores, já que os custos com despesas fixas também tendem a ser reduzidos.

“Dependendo da atividade, esse é um modelo de negócio que possui menos burocracia. O investimento inicial pode ser menor, assim como os custos fixos. Esse empreendedor também consegue se ajustar com maior facilidade às tendências do mercado, além de trabalhar por meio de parcerias. Porém, é muito importante ter um planejamento financeiro rigoroso e estar atento à regulação e aos impostos”, orienta.

A arte é cativar

Sobre o picadeiro, debaixo de um teto de luzes e entre paredes de lona, o palhaço Isley Cavalcante, de 32 anos, ganha a vida com a arte circense. Ele é a quarta geração de uma mesma família do Circo Globo Max — uma companhia de artistas que viaja do Norte ao Sul do país. O negócio é a fonte de sustento dele e de outras 13 famílias. A missão de empreender, no entanto, começa muito antes do show de luzes e do som dos tambores que anunciam um novo espetáculo.

“Geralmente, começamos a divulgar o circo três semanas antes de chegar na cidade. Espalhamos anúncios em outdoor, nas rádios e nos carros de som. Quando chegamos com nossa estrutura, é como se fosse uma carreata: a aquele comboio de carretas e carros do circo. Isso gera um impacto. Depois, quando a estrutura está toda montada, com a lona já erguida, colocamos muitas luzes. Tudo para chamar a atenção. Nós precisamos cativar o público antes mesmo do show”, conta.

O palhaço Isley Cavalcante é de uma família que está no circo há quatro gerações - Foto: Arquivo Pessoal

Sem um endereço fixo, negócios nômades apostam na divulgação — ou seja, no marketing — para captar seus clientes. "Como as pessoas vão saber que o negócio está em determinada cidade e que o produto é bom? Só por meio da divulgação. É importante ter consciência do quanto o marketing, principalmente digital, é necessário para este modelo de negócio. Ele também vai ter um papel muito importante para que aconteça essa divulgação boca a boca”, orienta a analista do Sebrae-MG, Márcia Machado.

De acordo com a pesquisa “Maturidade do Marketing Digital Vendas no Brasil”, realizada pelas agências de consultoria Resultados Digitais, Mundo do Marketing e Rock Content, 67% das organizações consideram suas estratégias de marketing digital eficientes. O mesmo estudo apontou que apenas 2,7% das empresas entrevistadas decidiram abdicar das estratégias online. “A tecnologia transformou as relações do negócio, e o empreendedor precisa estar sempre atento a essas mudanças do mercado”, acrescenta Márcia.

O levantamento também apontou que 73% das empresas estão direcionando os seus investimentos em marketing digital para a produção de conteúdo — em redes sociais, blog, site ou mídia paga. “A minha principal forma de divulgação é a rede social, o Instagram. Fazemos tráfego pago, já que essa é uma maneira de conseguir chegar em outros estados e ter um retorno. Além dessa divulgação, participamos de palestras, eventos, e contamos também com a indicação dos próprios alunos”, conta a empresária mineira Amanda Caroline.

Para o palhaço Isley Cavalcante, a divulgação é considerada indispensável para os negócios, principalmente aqueles que seguem o modelo nômade. No entanto, o artista considera que entregar um produto ainda segue como a principal estratégia para cativar clientes. “Não posso pensar em entregar algo ruim porque não vou voltar naquela cidade. Pelo contrário, eu quero que aquele cliente tenha vontade de estar comigo mais vezes. Felizmente, é isso o que tem acontecido com a gente. Pessoas que estiveram na plateia se tornaram nossos amigos. Ou seja, temos amigos no Brasil inteiro”, finaliza.

Ouça podcast sobre Negócios Itinerantes: