VAI APERTAR

Alta do dólar vai aumentar preços de alimentos e viagens; saiba como sua vida será afetada

Instabilidade cambial deriva de uma queda de braço entre governo e mercado financeiro

Por Simon Nascimento
Publicado em 20 de dezembro de 2024 | 15:26

A queda de braço entre o governo federal e o mercado financeiro, que elevou o dólar ao recorde de R$ 6,27 nesta quinta-feira, vai impactar, diretamente, o bolso dos consumidores. Preços de agens aéreas, carnes, derivados de farinha de trigo como pão francês, biscoitos e macarrão, além de combustíveis, deverão subir sob impacto direto da instabilidade cambial. 

Nas últimas semanas, a moeda norte-americana subiu em forte pressão sobre o real em uma sinalização direta da negativa do mercado à política econômica do governo Lula. O estopim foi o anúncio do pacote de corte de gastos, promulgado com mudanças no Congresso, que prevê uma redução de R$ 327 bilhões em despesas até 2030. Os agentes financeiros cobram mais rigidez na gestão das contas públicas. 

Dados consolidados pelo Tesouro Nacional em outubro mostram que, nos últimos 12 meses, o déficit primário do governo é de R$ 225,3 bilhões, valor equivalente a 1,9% do Produto Interno Bruto (PIB). A previsão é que, em 2024, o país encerre o ano com um prejuízo de R$ 64,4 bilhões. Por outro lado, o Executivo acusa o mercado de ‘ataque especulativo’ contra o real - fato negado pelo futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. 

O governo se baseia nos indicadores econômicos como o crescimento do PIB acima da média, no aumento da geração de empregos e da massa salarial. O professor do curso de Finanças do Ibmec em São Paulo Cristiano Corrêa também rechaçou a possibilidade de ação coordenada de agentes financeiros. “Embora exagerada, a reação é legítima”, pontuou. No entanto, o docente afirmou que o cenário de alta do dólar traz uma série de prejuízos. “Ninguém ganha com isso do ponto de vista de país”, assinalou. 

Prejuízos

Um dos setores que observa mais rapidamente o peso do dólar é o de viagens e turismo. O vice-presidente da Associação Brasileira de Viagens (Abav) em Minas Gerais, Alexandre Brandão, destacou que o impacto é imediato no preço de agens aéreas para destinos internacionais. “Há 15 dias atrás, tínhamos o dólar na faixa de R$ 5,95, hoje já próximo de R$ 6,30. São quase R$ 0,30 em cada dólar”, calculou.

Brandão ainda afirmou que além do reflexo da variação cambial, as companhias aéreas também devem rear custos operacionais ao consumidor. “O leasing (contratos) dessas empresas é todo em dólar, então é mais um impacto a médio prazo”, complementou. Segundo o representante da Abav, as vendas da temporada de verão não deverão ser afetadas, pois foram comercializadas com antecedência. 

“Mas para a baixa temporada temos que aguardar. Estamos em um momento turbulento e de indefinições com o recesso parlamentar”, arrematou Brandão que citou uma mudança de comportamento dos consumidores. Os viajantes têm buscado alterar roteiros já comprados para economizar, à exceção do chamado mercado de luxo. “Esse mercado não é tão impactado porque é avesso a qualquer coisa e não importa o valor de nada, porque não há problema de dinheiro”, observou. 

Apreensão 

Semelhante ao mercado de viagens, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirmou que acompanha com apreensão a instabilidade cambial. O vice-presidente da entidade, Márcio Milan, salientou que haverá ree de presos ao longo da cadeia produtiva e chegando ao consumidor final. “No setor de alimentos, essa pressão é sentida não apenas nos produtos básicos derivados do trigo (como pães, massas, biscoitos, bolos, cereais e farinhas), mas também em outros itens, como soja, carnes, café, açúcar e milho”, detalhou. 

O panorama de valorização do dólar faz com que exportações sejam mais vantajosas para os produtores, reduzindo a oferta de produtos no mercado interno, conforme o vice-presidente da Abras. “Além dos alimentos, o impacto da alta do dólar também deve atingir categorias como artigos de higiene e beleza, produtos de limpeza, muitos dos quais utilizam componentes químicos derivados do petróleo, geralmente importados e cotados em dólar”, disse. 

Política contracionista 

Para o professor do Ibmec-SP Cristiano Corrêa o caminho para um ambiente fiscal mais tranquilo a por um esforço maior do governo para cumprir a meta da inflação. O percentual previsto pelo Conselho Monetário Nacional é de 3%, com tolerância de 1,5% para cima ou para baixo. Atualmente, a inflação no Brasil é de 4,87%. Os resultados, inclusive, motivaram o Banco Central a elevar a Selic, a taxa básica de juros a 12,25%, e já projetando um crescimento a 14,25% até março. 

“É uma fotografia, olhando para o futuro, no mês de dezembro. Mas essa fotografia está calibrada com relação ao que foi observado pelo Banco Central em dezembro. Lá em julho, a gente já esperava um aumento da Selic no final do ano por diversos fatores. Achávamos que ia sumir 0,5 ponto percentual, mas o cenário muda e mudou. E isso garante que havendo um certo equilíbrio, o governo sabendo manejar e dando indicações de que terá um compromisso com o ajuste fiscal - óbvio, com a colaboração do Congresso, eu não vejo nenhum problema do próprio Banco Central revisar esses aumentos propostos”, detalhou o docente. 

Indústria reage 

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) emitiu nota, nesta quinta-feira (19), com críticas ao mercado financeiro e ao Banco Central. No comunicado, a entidade alertou que a Selic e o dólar em alta tiram a competitividade do setor produtivo no país. O texto ressalta a melhora nos indicadores econômicos do país, como o avanço do PIB e a apresentação do pacote de corte de gastos, apesar de cobrar uma contenção de despesas mais severa do governo. 

De acordo com a CNI, a disparada do dólar, que ontem se aproximou dos R$ 6,30, e a elevação da taxa básica de juros a 12,25% - com promessa de subida a 14,25% até março, podem comprometer o desenvolvimento econômico do país. O setor industrial avalia que há um cenário positivo com a do acordo do Mercosul e União Europeia e com os investimentos do programa Nova Indústria Brasil. 

Conforme a entidade, a alta crescente do dólar impõe uma desvalorização do real que pode afetar, principalmente, a indústria da transformação. O segmento importa 23,7% dos insumos usados no processo de produção, somando-se os custos dos preços das commodities, o que encarece o custo às empresas e chegando também ao consumidor final. 

Na nota, a CNI criticou a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de elevar a taxa básica de juros para 12,25%, e indicar aumento de mais 2,0 pontos percentuais até março. Para o setor industrial, a decisão ignorou elementos importantes, tanto no cenário interno quanto externo, como a desaceleração da atividade econômica, já observada no PIB do terceiro trimestre, além de tendência de redução de juros nas principais economias globais.

"O que o anúncio inédito de que teríamos mais dois aumentos consecutivos de mais 1% na taxa Selic traz de melhoria e contribuição para as expectativas atuais, que já sofrem tantos movimentos especulativos?", questiona o presidente da CNI. Segundo ele, além disso, os juros efetivos e o spread praticados no Brasil já são altíssimos, contribuindo para encarecer os custos das cadeias produtivas, já pressionados pelo câmbio.